SE NÃO PRESTAR, BOTE FORA –
Estava tudo calmo até o momento em que a “ordem” foi dada. Em pouco tempo lá estavam, sobre uma mesa, minhas pastas, envelopes, livros didáticos, apostilas de cursos, caixas de papelão com selos postais comemorativos, e até um cestinho de vime(utilizado pelas costureiras caseiras) onde eu guardava os santinhos de papel, N.S. Auxiliadora, Dom Bosco e São Domingos Sávio, meus protetores salesianos desde os idos dos bancos escolares do então Ginásio Salesiano São José.
Fiquei em dúvida sobre a veracidade da ordem, mas para arrematar veio: “Preciso desocupar espaço no armário”. Pronto: Está consumado! E entreguei o meu espírito.
Para cada papel uma despedida saudosa. E se eu precisar depois!
Papai tinha um caixote cheio de latas e dentro delas, porcas e parafusos. Por que o senhor guarda isso? “Para quando precisar”, era a resposta. E quando realmente precisava ia na loja de ferragens e comprava um novo. É assim.
Dizem que é preciso de vez em quando fazer alguns descartes, pois é preciso dar espaço ao novo para que fluam as energias saudáveis.
Em algumas tradições esse ritual é levado a sério e costuma a revirar tudo em casa para renovar o espírito das coisas. Em ‘Maktub’ Paulo Coelho conta que ao tocar em cada objeto é feita, em voz alta, a pergunta: “– Preciso realmente disto?”. Se é um livro: “– Vou reler este livro algum dia?”. Ao abrir a porta de um armário: “– Há quanto tempo tenho isto e não uso? Será que vou mesmo precisar?”.
Pois bem, num papel amarelado, datado de setembro/1995, eu havia escrito às 15h42: Não posso chorar a sua dor, mas posso compartilhar os teus passos no caminho da superação. Confesso que não lembro a quem me referia, mas ‘confirmei’ a importância que nem todo obsoleto está fadado ao descarte.
Fico a me perguntar: E se eu fosse morar em um apartamento? Nossa, se eu parar para refletir é bem capaz de adoecer. Mudemos de pensamento.
Voltemos ao cumprimento da ordem.
A picotadora de papel ‘olha’ pra mim e como que pedindo arrego parece balbuciar: ainda tem?
Enquanto vou selecionando e fragmentando, também vou ‘matutando’ o quanto seria bom que fizéssemos essa limpeza em nossas atitudes arraigadas e aos costumes nunca questionados sobre se isso serve para arrastarmos durante a trajetória da vida.
Muitas da vezes carregamos tantas velharias, que nos tornamos ranzinzos e apegados às coisas que não edificam a nossa alma. E, além do mais, nos fazem intolerantes aos caprichos e manias dos outros por não admitir que eles, também como nós, somos afeitos a preservar trecos que nunca vamos precisar, mas que guardam uma parte da colcha de retalhos que vamos costurando ao longo do tempo.
“Você não leva nada quando morrer”, é verdade. Mas enquanto pestanejar me parece bom rebuscar capítulos e versículos de um passado que na maioria das vezes reconforta o presente.
“Dividiram as minhas roupas entre si e lançaram sortes pelas minhas vestes”. (Salmo 22:18)
Pois é.
O que vão fazer com meus guardados certamente não se lançarão os dados, mas fará a alegria de um senhorzinho que dia sim dia não, toca a campainha do portão da nossa casa e pergunta: “Tem troço velho hoje?”.
Hoje tem. E muito!
Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras (josuacosta@uol.com.br)
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