ROUPAS, SAPATOS E LUGARES – Bárbara Seabra

ROUPAS, SAPATOS E LUGARES –

Organizamos o apartamento para passar por uma reforma. Passei dias encaixotando nossas coisas. Caixas sinalizadas com o nome do cômodo para onde devem retornar. De vermelho escrevi “FRÁGIL”, em diversas delas, para ficar claro que dentro havia conteúdo que devíamos ter maior cuidado.

Logo levamos Nossa Senhora das Graças (minha Gracinha) e Nossa Senhora de Fátima (minha Fatinha) para a casa de meus pais. Ficou um vazio aqui. Todas as noites e todas as manhãs, eu seguia falando com elas, agradecendo e pedindo, sorrindo ou chorando de acordo com os acontecimentos gerais e por mais que me digam que são apenas imagens, elas fazem parte de minha vida.

Paro na sala ao mesmo tempo vazia e tão lotada de caixas e percebo com tristeza:

– Nossas vidas cabem em caixas!

Algumas maiores, outras pequenas. Umas com conteúdo frágil, outras aguentam o peso de mais umas dez sobre elas. Caixas! Sentei meio sonolenta pelo cansaço da repetição do barulho das fitas adesivas sendo postas e com o cortar plástico bolha para cobrir todos os quadros que temos.

Uma vida inteira em caixas? Somos frágeis, como as caixas marcadas de vermelho…

Aproveito para desfazer de mil coisas. Pratos, xícaras, roupas, sapatos. Temos tanto de tudo e sempre achamos que temos que ter mais. Volto-me ao minimalismo. Volto-me para mim mesma e reflito sobre as roupas que ainda permanecerão. Seja por capricho, medo de ainda fazerem falta ou por necessidade. Preciso rotular cada peça e saber se ainda convém mantê-las em nossas vidas, mas com a ideia clara de que roupas, sapatos e lugares, às vezes, não nos cabem mais.

Precisamos respirar fundo para permitir que eles tomem novos rumos. E nós também! Mais leves com nossas decisões…

 

 

 

 

 

 

 

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista, Professora universitária e Escritora

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