A política, Senhor Redator, anda como o Diabo gosta. E se ele não se importar, há de piorar daqui pra frente. Os demônios cutucam uns aos outros e desse jeito vamos caminhar mais um mês inteiro. Quando nada, e se não houver o segundo turno. A disputa pelo poder foi sempre assim, desde Roma. Uma luta mais dos artifícios profanos do que das artes nascidas do sagrado. Os homens são os mesmos e é louca essa velha mania de poder nesse mundo de sensações e tentações medonhas.

Por esses dias, andei lendo as folhas, apurando nos olhos a malícia do mundo, e fui anotando como são estranhos os tempos de danação. Os filhos prometem tudo quanto os pais nunca fizeram em anos e anos de mandatos, como se fosse tudo muito natural. Os políticos esqueceram a exaustão que, há pouco mais de ano, nas jornadas de junho, explodiu nas ruas. No grito das multidões que saíram sem líderes, sem partidos, sem ideologias, levadas pela revolta e debaixo das barbas dos poderosos.

Há de um tudo e não falta de um nada. Há mãos espalmadas que se dizem limpas, filhas de partidos sujos. E há sujos que de tão sujos parecem limpos com o riso fácil que cobriu a sisudez do feio. Há heróis a favor dos fortes contra os fracos, para não falar no desfile dos falsos martírios, pois de lá virão os santos de araque e suas almas pecadoras. Tudo cabe na política se tudo convém nesse vale de lágrimas de crocodilos, segundo a lei do pântano, onde toda paz mete medo e tudo é noite.

Mas, como viver sem eles, os mágicos e prestidigitadores, os enganadores de toda espécie, se a realidade muitas vezes é insuportável? Como seria viver nos dias mais tristes, quando não canta o sabiá? E as noites, principalmente as longas, esticadas pela insônia, como seria vencê-las, caídos no tédio sem fim? O circo é a salvação, Senhor Redator. A única salvação. Como seria viver sem a triste alegria do palhaço, sem trapezistas voadores, sem as pernas das bailarinas dando um salto mortal?

Teria razão Michel Onfray, pois que há uma sabedoria trágica em tudo, principalmente na arte da política, ele que leu intensamente Nietzsche na sua juventude que não vai tão distante assim? Seria verdade que todo homem tem medo de ser santo e por isso vive como se fosse um demônio? Talvez. O teatro imita a vida, mas nem tanto. Não teria sentido a virtude vencer o pecado. Seria monótono e assustador. Como a terrível negritude dos corvos quando pousam nos trigais luminosos de Van Gogh.

A política é um espetáculo. A sua arte, mesmo diante do tanto de verdade que possa existir no seu mistério como ciência, consiste mais na artimanha de reinventá-la do que na técnica de fazê-la real. A realidade nunca será suficiente para explicar o trágico e o cômico e, às vezes, o grotesco que há em tudo que é política. Talvez a comédia, mais do que a tragédia, desnude melhor o ridículo da política, como querem os grandes críticos. Afinal, há de ter sido para castigá-la que a natureza nos deu o riso.

Vicente Serejo – Jornalista e Escritor

Ponto de Vista

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