QUERIDOS VIZINHOS – Alberto da Hora

QUERIDOS VIZINHOS – 

Moro há cerca de 25 anos no meu endereço atual e, apesar de todo esse tempo, conheço ou conheci poucos dos meus vizinhos. Sei os nomes de dois ou três, trocamos cumprimentos educados, formais e passageiros, porém jamais visitei suas casas e eles também não conhecem a minha. Poderia ser diferente, porém o fenômeno do distanciamento hoje é comum e compreensível, por questões de saúde e segurança, e porque dentro de casa dispomos de numerosos recursos e atividades que nos permitem conviver sem necessidade de contatos não domiciliares. A busca de privacidade familiar é um direito, e ninguém pode ou deve ser penalizado por essas escolhas na sua vida social. Entretanto, a ausência de uma comunicação amistosa e habitual talvez seja capaz de provocar alguns problemas que, regulares ou não, sabemos que são possíveis de ocorrer.

Notícias recentes e correntes, sobre fatos relacionados à convivência e à relação com vizinhos, dão conta de abusos e exageros cometidos em desrespeito à paz e à concórdia que deveriam prevalecer entre todos. Eu mesmo já me deparei com violações ao silêncio e aos limites permitidos nos eventos festivos particulares, quando alguns, em folguedos ou audições domésticas, se excedem nos horários o nos decibéis toleráveis pelas leis e pelos próximos, arvorados no direito aos seus prazeres, mesmo que isso perturbe a paz e o conforto dos outros. De minha parte, procuro exercer uma vigilância que não permita, a mim e aos meus familiares, cometer essas infrações e desacatos nos raros encontros e comemorações que costumo promover.

É uma situação que difere de um passado mais ou menos recente, quando o contato entre os vizinhos era mais comum e carinhosamente mantido e celebrado como característica da vida comunitária e afetiva. Conhecíamos, dentro dos limites da intimidade, minudências e caracteres de famílias que partilhavam o mesmo bairro, a mesma rua, com casas separadas entre si, ou unidas pelas indefectíveis paredes-meia dos subúrbios. Algumas animosidades, até onde me recordo, eram suportadas ou esquecidas em respeito à condição de cada um, porque era uma atitude inteligente e saudável manter um vínculo, uma ligação próxima, a amizade que poderia ser útil em alguma eventualidade. O apoio nas emergências, por exemplo, era de grande valia, em virtude da proximidade que facilitava o socorro. Lembro a minha mãe, nas ocasiões dos seus trabalhos de parto, recebendo a colaboração de prestimosas e colaborativas vizinhas que sempre acudiam ao seu chamado; ou da senhoria da nossa casa, Dona Júlia, que era vizinha e que, solícita e diariamente, sempre estava à nossa disposição.

Como orgulhoso morador de dois subúrbios, experimentei o valor da colaboração mútua, amistosa, e uma carinhosa assistência material que raras vezes envolvia dinheiro, o que se tinha muito pouco. Mas uma xícara de óleo de comida, uma caneca de açúcar, de farinha, um pouco de café, ou uma jarra de leite, por exemplo, eram trocados ou fornecidos generosamente, sem qualquer ônus que não fosse a manutenção das amizades. Orientação e conselhos eram buscados, ouvidos e seguidos, sobretudo quando o “oráculo” era alguém experiente e maduro.

Não habitávamos nenhum paraíso, é claro, mas era encorajador saber que, circulando na vizinhança, a qualquer hora do dia ou da noite, podíamos contar com a constante presença de pessoas em ruas e calçadas, ou perceber uma curiosa ou um bisbilhoteiro à janela, adivinhando nossas intenções ou nosso destino. Por bem ou por mal, era confortável ter alguém velando seus passos, diferentemente de muitos núcleos residenciais atuais, onde estamos sempre dentro de casa, recolhidos, submissos, temendo a má ideia de encontrar outros flanando na rua, talvez com perigosas ou suspeitas intenções.

 

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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