PONTO DE VISTA DE ALFREDO BERTINI

O REALISMO DE MACHADO AINDA EXPLICA A FALÊNCIA ÉTICA NACIONAL –

Em 1881, com o seu “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, o genial Machado de Assis instaurou na literatura brasileira o realismo. O marco nacional se deu 24 anos depois que Gustave Flaubert inaugurou tal movimento literário com a publicação de “Madame Bovary”. Em ambos os casos, o registro de uma vanguarda na literatura, que se firmou através do olhar crítico sobre a realidade das sociedades à época.

Machado consagra o início do movimento com toda sua erudição realista. De cara, pelas posturas dúbias do esperto Brás Cubas. Logo depois, pelo exercício narcisista que prenuncia o dualismo da alma, do alferes Jacobina. Este, um protagonista do magnífico conto “O Espelho”, publicado no Diário de Notícias (1882) e que também integrou o livro “Papéis Avulsos”, editado no mesmo ano.

Esse mundo redondo gira e, quase dois séculos depois, parece que nada mudou na sociedade brasileira. Entre as “janelas da consciência” presentes no livro de estreia e o “dualismo da alma” que forja a real formação da identidade há um problema no DNA da sociedade brasileira: o padrão ético. Um assunto estrutural que tem sido também muito bem tratado na obra de Eduardo Giannetti. Na mais recente, “O Anel de Giges”, o desafio de por o anel no dedo representa uma fina provocação dessa falta de ética escrachada que está largamente arraigada à formação do caráter nacional.

Nos últimos anos, embalados pelo oportunismo da ideologia do antissistema, essa provocação parecia ser exclusiva da classe política. Nunca foi. O desprezo pela ética é o mais puro retrato de uma mesma sociedade. Descrita lá atrás por Machado e hoje recolocada com esmero por Giannetti.

O que se assiste agora com o fura-filas da vacinação não é só um ato vergonhoso. É o espelho de uma hipocrisia de muitos agentes sociais. Os mesmos que “colam” na escola. Que “agradam” fiscais e policiais. Que “sonegam” impostos. Que “trapaceiam” e “levam vantagens”. São os jeitosos espertos que clamam nas ruas e nas redes contra a corrupção.

Assim, não há como negar o realismo. Afinal, o brasileiro não é ele. É o outro. Que usa a janela da conveniência ou está por trás do espelho.

 

 

https://www.instagram.com/p/CKb5LBGh5g2/?igshid=jbd2s3w4rodk

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista, professor e pesquisador, ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,3730 DÓLAR TURISMO: R$ 5,5580 EURO: R$ 6,259 LIBRA: R$ 7,1290 PESO…

5 horas ago

Netflix fecha acordo para compra da Warner Bros. Discovery por US$ 72 bilhões

A Netflix anunciou na manhã desta sexta-feira (5) acordo de compra dos estúdios de TV e cinema…

5 horas ago

Suspeito de participar da morte de menina de 7 anos na Grande Natal é preso

A Polícia Civil prendeu nessa quarta-feira (3), em Natal, um dos suspeitos de partipação na morte da…

6 horas ago

Dino marca para fevereiro de 2026 julgamento do caso Marielle na 1ª Turma do STF

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta sexta-feira (5) marcar para os…

6 horas ago

Investigado por contrabando é preso ao ser flagrado pela PF com material de abuso sexual infantojuvenil

A Polícia Federal prendeu um investigado por contrabando de cigarros em flagrante após localizar material configurado…

6 horas ago

Justiça manda Airbnb ressarcir despesas médicas de cliente que ficou paraplégica após acidente em hospedagem

A Justiça do Distrito Federal determinou que o Airbnb pague, na íntegra, os custos de uma…

6 horas ago

This website uses cookies.