Novamente o art. 142 –
A discussão sobre o artigo 142 está de volta às manchetes. Costuma aparecer toda vez que os alicerces da democracia estão ameaçados. A redação do artigo é dúbia e permite visões interpretativas distintas. Nossos juristas, em especial, são muito criativos. Salvo engano, nenhum deles procurou as raízes históricas do surgimento deste artigo. Por uma questão de espaço sugiro remontarmos a 1987. Os constituintes, na primeira versão da Constituição, retiraram dos militares o tradicional papel de guardiães da lei e da ordem existente na Constituição de 1967/69. Tal tentativa tanto irritou o general Leônidas Pires Gonçalves que ele ameaçou zerar todo o processo constituinte, caso a decisão não fosse revista. Ante a ameaça castrense, os constituintes cederam e mantiveram o papel de guardiões das Forças Armadas. Os militares não abrem mão de seu poder autônomo de tutelar o país adquirido deste os primórdios da República.
O comportamento militar é politicamente autônomo quando os militares têm objetivos políticos próprios que podem ou não coincidir com os interesses de outros grupos políticos, e a capacidade institucional de executá-los, em detrimento de regras democráticas que proíbam a consecução destes mesmos objetivos. Por esta definição de autonomia, que não é o poder moderador, abre-se a possibilidade das Forças Armadas não apenas proteger a sociedade, mas procurar defini-la de acordo com a visão castrense do que é o melhor para ela. No fundo, a luta pela manutenção do artigo 142 deve-se ao fato dele definir quem estabelece o controle social do país em situação de crise. E os interesses das Forças Armadas nem sempre coincidem com os do Executivo, Legislativo e Judiciário. As Forças Armadas querem um passaporte legal que assegure a prevalência de seus interesses. E os civis garantiram isto na Constituição de 1988.
Curiosidade: a ideia de garantes foi copiada pelas constituições autoritárias pinochetistas e sandinistas. No Chile, todavia, findo o regime militar este artigo foi abolido. No Brasil persiste até os dias de hoje. E não há sinal de mudança constitucional. Numa democracia, Forças Armadas não garantem nem os Poderes constituídos nem a lei e a ordem. Isto é tarefa do poder político. O artigo 142 permite o golpe de Estado constitucional. A narrativa castrense sobre 1964 é que houve um contragolpe, pois, as Forças Armadas aplicaram o equivalente ao artigo 142 que permitia a atuação delas como garantes da lei e da ordem ameaçadas por forças golpistas de esquerda.
Jorge Zaverucha – Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco
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