NÃO HÁ LIMITES PARA O PERDÃO – Josoniel Fonsêca

NÃO HÁ LIMITES PARA O PERDÃO – 

“Então Pedro, aproximando-se dele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? Jesus lhe disse: Não te digo que até sete, mas, até setenta vezes sete” (Evangelho de Mateus, capítulo 18, versos 21,22)

​Os judeus estavam acostumados a ver na Lei e na Tradição um código casuístico de preceitos normativos da vida religiosa. Possivelmente baseados no livro do profeta Amós, capítulo 2, verso 4, “Assim diz o Senhor: Por três transgressões de Judá, e por quatro não retirarei o castigo. Porque rejeitaram a lei do Senhor, e não guardaram os seus estatutos, antes se deixaram enganar por suas próprias mentiras, após as quais andaram seus pais”. Os melhores fariseus, atenuando a regra do “olho por olho, e dente por dente”, haviam elevado a três o número de vezes que se devia perdoar, de modo que Pedro, propondo sete vezes, estava revelando uma avançada generosidade.

Os homens que a si mesmos se consideram compassivos, julgam ser ofensivo à própria dignidade e ao decoro da Justiça, a repetição do perdão para quem repete a ofensa, sendo raros os casos de concessão de uma terceira oportunidade. “A paciência tem limites”, diz a mente popular, lembrando a própria Escritura que reconhece a possibilidade da “ira do Cordeiro”. Ademais, acrescenta-se, o perdão ilimitado é prejudicial ao próprio perdoado, que se vê assim estimulado a reincidir no mal, visto que não lhe sofre consequências.
​Será isso verdade? Há limites para o perdão?​

O apóstolo Pedro sentiu a necessidade de limitar e propôs sete vezes. Jesus responde: “Não te digo que até sete, mas, até setenta vezes sete”. Então, seria 490 o número máximo de vezes que se perdoaria a alguém alguma ofensa recebida?

É evidente que a resposta de Jesus não fixa um algarismo para marcar o número de vezes que devemos perdoar os nossos semelhantes, e sim quer significar um número muito alto, acima da perspectiva humana e mesmo das probabilidades, porque é difícil conceber alguém tão obstinado e duro em ofender e duro de sentimentos, que chegue a precisar de 490 perdões da mesma pessoa. Assim, a fórmula de Jesus é apenas símbolo de um número incompreensivelmente grande, ilimitado no terreno da prática.

​Com isto Jesus quis ensinar que não há limites para o perdão, e que o transgressor possa sempre, em todos os casos, ser perdoado? Não está em jogo o número de vezes que o ofensor tenha direito ao perdão, e sim o número de vezes que o ofendido deve perdoar.

Há limites para o ofensor; não há, porém, para o ofendido, que deve estar sempre movido pelo espírito e disposição de perdoar.

​“Senhor, até quantas vezes?…” Talvez Pedro estivesse molestado com os seus companheiros por causa do desejo de prioridade, reinante entre eles.

Note-se que se trata de ofensa entre iguais, isto é, de irmão para irmão, de homem para homem, de pecador para pecador. Esta distinção é necessária para mostrar quão falsa é a idéia que o perdão afeta a dignidade pessoal do ofendido e o decoro da justiça. A idéia pode ser verdadeira quando se tratar de superior e inferior, entre Criador e criatura, entre Deus e os homens. Deus condiciona o perdão ao arrependimento; o Espírito pode deixar de lutar com o homem, a oportunidade de perdão pode passar, o pecador pode não achar lugar para o arrependimento, mas isso nada tem a ver com as relações de homem para homem, de irmão para irmão e são a essas relações que dizem respeito àpergunta de Pedro e a resposta de Jesus, que, aliás, já havia resolvido a questão de modo completo. Na verdade, a pergunta do apóstolo Pedro era apenas fruto de sua ignorância das coisas de Deus. Na oração dominical, Jesus já havia indicado o número de vezes que devemos perdoar, como ainda o próprio fundamento do perdão. “Perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofendem” (Evangelho de Mateus, capítulo6, versos 9 a13).

​Quantas vezes eu devo perdoar? Tantas quantas eu devo pedir perdão a Deus. E este não é o limite, é o mínimo que se espera do cristão. Enquanto eu precisar do perdão de Deus — e eu precisarei todos os dias de minha vida — devo eu perdoar todos aqueles que contra mim pecarem. A condição de pecador perdoado me obriga a manter com as pequeninas ou grandes ofensas que recebo dos homens, a mesma condição de perdão que espero encontrar em Deus, contra quem, afinal, são feitas todas as ofensas à justiça, à verdade e ao bem.

​Se Jesus nos ensinou a orar diariamente pedindo para os nossos pecados um perdão semelhante àquele que temos dado aos nossos ofensores, é porque devemos perdoar todas as faltas que cometem contra nós, qualquer que seja o seu número. Assim não há limites para o perdão que o cristão deve dar aos irmãos que o ofendem, pouco importando se estes pedem ou deixam de pedir esse perdão. É por isso que alguém disse: “Retribuir o bem com o mal é diabólico, retribuir o mal com o bem é perverso, retribuir o bem com o bem é humano, retribuir o mal com o bem é celestial”
​Finalmente, o perdão é um teste para a nossa fé, uma prova de nossa gratidão de perdoados, uma força para construção da paz.

 

 

 

 

Josoniel Fonseca – Advogado e Professor,  membro da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN,  josonielfonseca@uol.com.br

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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