MURILO MELO, LACERDA E O CRÉDITO EDUCATIVO – Ney Lopes

MURILO MELO, LACERDA E O CRÉDITO EDUCATIVO –

Faleceu o jornalista, advogado e escritor Murilo Melo Filho. Conterrâneo ilustre. Um “repórter nato”, com olho clínico na descrição do fato político. Sempre o tive como Mestre, desde quando, aos 14 anos, iniciei-me na redação da Tribuna do Norte, então dirigida pelo inesquecível Waldemar Araújo. Depois, tornei-me seu amigo, através do irmão Hênio Melo, também figura humana extraordinária.

Já acadêmico de Direito, em plena efervescência do governo de João Goulart, fui ao Rio de Janeiro participar de Congresso Nacional da UNE. Soube que Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, daria entrevista coletiva. O instinto do repórter excitou-me. Liguei para Murilo e pedi ajuda para ter acesso à entrevista, como repórter da “Ordem”.

Ele, com humildade e costumeira presteza, logo me atendeu. No Palácio Guanabara surgiu a figura carismática de Carlos Lacerda, com óculos graúdos e olhar sisudo. Ao colocar-se à disposição dos repórteres, audaciosamente disparei a pergunta: “o que Sr. acha da ação da Igreja no plano social, inclusive fundando sindicato rurais? Lacerda olhou-me fixamente e não hesitou em tentar nocautear-me, dizendo: “Jovem: a missão da Igreja seria a pescar almas. Porém, a Igreja está colocando “iscas sociais” na ponta do anzol e tem se preocupado mais com as “iscas”, do que com os peixes”.

Todos riram, mas não me perturbei. O “furo” (com foto) saiu na primeira página da “Ordem” em Natal e a gravação na Emissora de Educação Rural. Vitória devida a Murilo Melo, com quem estive depois, que riu muito da forma como me comportei na entrevista.

Em 1975, já deputado federal, recebi telefonema de Murilo. Ele ouvira na “Voz do Brasil” notícia sobre o projeto de lei nº 274/75, por mim apresentado, em 15 de abril de 1975, dando origem no Brasil ao “crédito educativo”, que favoreceu milhares de estudantes das Universidades públicas e privadas, atendendo despesas básicas de lazer, livros, alimentação, vestuário, habitação, transporte. Espontaneamente, pediu que lhe mantivesse informado da iniciativa, por considerá-la inovadora e de alcance social. Fez intensa divulgação na sua conceituada coluna “Posto de escuta”, da revista Manchete

Dias depois, o então Ministro Nei Braga, da Educação, convidou-me para jantar e afirmou ter lido na coluna de Murilo a proposta do crédito educativo e que desejava encampá-la “a quatro mãos”. Logo nomeou Comissão no MEC, presidida pelo professor Armando Mendes, com a missão de implantar o crédito educativo no país e pediu que acompanhasse as providencias, por ser o autor da ideia. Ao final, a Comissão sugeriu que, para evitar a morosidade legislativa e com base integral no texto do projeto de lei que apresentara, o Banco Central abrisse linha de crédito para atender aos estudantes pobres. Assim foi feito, através da CEF. O credito educativo ajudou milhares de jovens brasileiros e é o maior galardão da minha vida pública.

Ainda hoje recebo a gratidão de muitos beneficiados. Infelizmente, o governo do PT distorceu a ideia e mudou o nome para FIES, “excluindo” os alunos das universidades públicas e prestigiando unicamente às universidades particulares, que, incrivelmente, passaram a selecionar diretamente e liberar o financiamento, substituindo o MEC.   Como admitir-se, que empresa privada manuseie dinheiro público para emprestar e facilitar o recebimento das suas “próprias” mensalidades, na “boca do caixa”? Resultado: auditoria do TCU constatou “rombo” de 55 bilhões de reais, com desvios nos governos de Lula e Dilma. Verdadeiro absurdo!

Em 1999 saudei Murilo na Câmara Federal, quando se tornou imortal, no templo da cultura brasileira. Ele chegara ao “podium”. A exemplo de Júlio César, quando atravessou o Rubicão, deu a sensação de alcançar a outra margem do rio da vida e nós, os seus amigos, exclamamos eufóricos: “não há mais volta, você venceu pelo talento, que Deus lhe deu”.

Em 1976, muitos me deram as costas, quando fui cassado, sem que até hoje tenha respondido a inquérito, ou ação de qualquer natureza, incluídos os órgãos revolucionários da época. Fui vítima de violenta perseguição política, pelo temor dos “caciques” locais, de que crescesse na política. Murilo Melo, ao contrário, ligava com frequência. Proclamava a grande injustiça sofrida e lamentava a minha ausência da vida pública. Sempre vi no seu gesto, o conselho de Esopo: ” é na dificuldade que se prova a amizade”. Que Deus o receba na Eternidade, com as honras que merece!

 

 

Ney Lopes –jornalista, ex-deputado federal e advogado –  nl@neylopes.com.br

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