MEUS DIREITOS –

Nunca fui militar, mas guardo certa disciplina nas atividades do dia a dia. Essa postura engloba também o entendimento de que meus direitos acabam onde se iniciam os direitos alheios. Entretanto, está cada vez mais difícil conviver com a quebra dos preceitos que balizam o ordenamento da vida em sociedade. Se buscarmos com atenção encontraremos a qualquer hora, provas desse desrespeito para com o próximo.

A fila. Essa ideia criada para organizar o caos é também uma das causadoras do desrespeito para com o direito do outro. Calcado em quais premissas um indivíduo cria uma vaga à sua frente para beneficiar outrem, sem a anuência de dezenas de integrantes da mesma fila postados à sua retaguarda. A suposta gentileza ofertada a uma única pessoa resvala como grosseria atirada no rosto de muitos cidadãos.

O trânsito é também mostruário de registros intoleráveis. A diferença consiste nos absurdos ali cometidos, que podem derivar para situações de agressividade explícita com conseqüências imprevisíveis. No trânsito pessoas cordatas transformam-se em monstros de insensibilidade quando posicionadas ao volante de um carro.

Não lembro se quando jovem, numa sessão de cinema, perturbei o assistente do filme à minha frente, empurrando sua poltrona com os joelhos em busca de meu conforto, mesmo irritando o desavisado espectador. Essa prática já é contumaz. Porém, como se não satisfeitos com o abuso, muitos jovens e marmanjos, insolentemente, apóiam as pernas em cima do espaldar das cadeiras postadas à frente.

Isto mesmo! Impõem o mau cheiro dos seus cascos ao olfato do assistente sentado na poltrona ao lado das que eles apoiam suas patas. Pior: quem se rebelar contra o incômodo sofrerá alguma represália seja violenta ou, no mínimo, uma chacota formulada em alto e bom som, para constrangimento da pessoa agredida.

Estar acima dos 60 anos oferece alguns privilégios – pudera, né? Um deles é dar o direito de, em algumas situações, assumir a cabeça da bendita fila. Sempre que procurei usufruir dessa prerrogativa me dei mal. A última tentativa foi numa seção eleitoral. Próximo do meio-dia, calor inclemente, fila imensa, todos os condicionantes para reclamar meus direitos.

De longe antevi, na porta da seção, uma amiga organizando a fila dos votantes. Aproximei-me com o título e a identidade na mão e falei: “Oi, Fulana! Tenho mais de 60 anos, posso me adiantar na fila?”. “Não senhor! Eu lhe conheço e sei que não tem essa idade”. Estarrecido quis contra-argumentar mostrando a identidade, mas sem qualquer sucesso.

Passado de vergonha perante a desaprovação dos integrantes da fila tratei de desaparecer dali. Voltei lá pelas duas da tarde, e procurando não ser notado, enfrentei a fila. Ao entrar na sala localizei o presidente da mesa e o questionei: “Eleitor com mais de 60 anos tem prioridade para votar?”. “Claro!” – foi a sua resposta. “Então desejo registrar uma queixa contra aquela secretária!”. Contei o ocorrido apontando para a dita, estupefata, retribuindo-lhe o constrangimento que horas atrás havia me imposto.

Imagino que tudo foi creditado a uma brincadeira de péssimo gosto. Convenhamos, nenhum dos integrantes da fila interpretou assim o fato. Restou-me naquela hora, o desconforto da certeza de ter sido tachado de velho descarado e aproveitador. A partir de então não acumulei mais coragem para reclamar meus direitos em qualquer outra fila.

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

 

Ponto de Vista

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  • Infelizmente, a falta de respeito pelos direitos do outro tem sido frequente nos dias atuais, em especial no trânsito, o que nos exige mais atenção, paciência e cautela ao dirigir.
    Mas o que mais me incomoda é a falta de respeito no cinema, pois saímos de casa para um momento de lazer aguardado por dias durante a semana.
    Parabéns pela escolha do tema!

  • Excelente artigo. Nunca é demais lembrar o valor do comportamento ético, que, ultimamente, vem sendo combatido com o rótulo, para a parcela mínima da população que o observa, como politicamente correto.

    Vivemos tempos estranhos, como vem dizendo repetidamente um ministro do STF.

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