LARANJEIRAS: A CAPITAL CULTURAL DO ESTADO DE SERGIPE – Gutenberg Costa

LARANJEIRAS: A CAPITAL CULTURAL DO ESTADO DE SERGIPE –

A cidade histórica de Laranjeiras, que fica bem próxima a capital do Estado, Aracaju, é repleta de belos casarões, ruas calçadas com pedras de calcário, ainda preservadas. As placas de suas ruas destacam seus nomes antigos. Suas Igrejas em estilos coloniais e seus Terreiros afros afloram o misticismo brasileiro nordestino em harmonia. Existe até uma lei municipal que reconhece os seus mestres e mestras, em vida, com uma ajuda mensal financeira. Um exemplo é o do mestre da Chegança, Zé Rolinha, que vivia só da pesca, para sustentar a sua pobre família, sem dispor de tempo para se dedicar a sua verdadeira paixão – a cultura popular de sua terra. Respeito aos artistas populares, não pode ficar aos simples diplomas e medalhas oficiais, distribuídos no mês de agosto, que é então dedicado ao folclore.  Aprendi na prática com os saudosos mestres Veríssimo de Melo (1921-1996) e Deífilo Gurgel, (1926-2012) que os artistas, antes de tudo, precisam do respeito e também da sobrevivência. Um dito do povo muito ouvido nas feiras nordestinas é este: “Saco vazio, não fica em pé”.

Bem, estive em Laranjeiras, recentemente, de 09 a 12 de janeiro, como convidado para participar do seu 44 Seminário Cultural, evento já consagrado no calendário brasileiro da cultura popular. Coisa rara nesse país, onde tudo se acaba sempre nos próximos governos, pelos descuidos históricos… Fui conversar com estudantes, professores, artistas e intelectuais, sobre o nosso grande folclorista Câmara Cascudo (1898-1986), e sua relação com a oralidade popular e a literatura de Cordel. Auditório da UFSE, lotado e Cascudo, como sempre, muito aplaudido.  As ruas de Laranjeiras com seus mais de vinte grupos folclóricos em cortejo e apresentações. Exposições de artesanatos, destacando-se a sua renda irlandesa, que com justiça já é patrimônio imaterial municipal. Adentrei a Casa de Cultura João Ribeiro, (1860-1934). Uma justíssima homenagem ao seu filho ilustre, imortal da Academia Brasileira de Letras e folclorista, contemporâneo e amigo do nosso Cascudo. Uma honra para Laranjeiras!

No referido Encontro, foram ouvidos vários mestres e mestras, entre os tais, me chamaram à atenção, dona Josefa, do Sítio Alto, que encanta e canta criativos repentes, dando-nos uma aula de otimismo e resistência, quando afirmou com toda a sua sinceridade que passa o dia todo cantando, para espantar as tristezas de sua vida sofrida de agricultura e líder comunitária. Dona Zefa, que é o retrato da alegria e da relegada cultura popular, não conhece o stress e a depressão da atualidade. Sua história me fez lembrar uma velha filosofia popular, hoje tão esquecida pela medicina globalizante: “Quem canta, seus males espanta”.  Já o mestre Zé Rolinha, da Chegança, que fala sabedorias e vivências pelos cotovelos, não tem “papa na língua”, quando é preciso desabafar as suas agruras sofridas no cotidiano de seu grupo folclórico. Só tem ódio na vida a tal da fofoca. E de tanto ouvir os intelectuais falarem na palavra da moda do século XXI – “complexidade”, o mesmo jura de pés juntos, que a vida de artista popular é muito “complexa” e não “perigosa”, como diria no século passado, o profeta literato Guimarães Rosa (1908-1967)…

Confesso que não tive tempo para visitar todas as Igrejas e museus da citada cidade, mas pude observar a autenticidade e a preservação das fachadas de suas muitas casas residenciais e comerciais. A professora Vilma Conceição, secretária estadual da cultura, participou ativamente de todos os debates, com simplicidade e respeito à cultura popular de Sergipe. Geralmente as autoridades só comparecem nas aberturas oficiais das solenidades.

Em fim registrei em fotos a sua feira, seu povo e seus grupos folclóricos. Comprei amendoim cozido e tomei o suco de mangaba. Do seu artesanato,  trouxe o casal ‘Lampião’ e ‘Maria Bonita’, em argila, do famoso Beto Pezão. O que há de mais rico e belo em uma localidade para meu gosto turístico. Para encerrar a visita em Laranjeiras, o mestre Zé Rolinha, embaixador cultural, convidou um grupo de visitantes, para um fraterno almoço em sua casa, regado a conversas e prosas, com ensopado de arraia e bem acompanhado de sua santa cachaça, fabricação caseira, batizada pelo próprio de – “Bimba de Quati”. Como ninguém é de ferro, fui um dos batizados pelo ritual do artista anfitrião. E quem teve a sorte na vida de beber a cachaça de Zé Rolinha, como eu, com certeza terá que voltar um dia à terra sergipana, antes de morrer de velhice. No referido almoço estiveram os amigos e amigas: Aglaé Fontes, Antônio do Amaral, Marcos Paulo, Beatriz Góis, Lindolfo do Amaral, Irineu Fontes, Fernando Aguiar, Terezinha Oliva, José Rivaldávio, Cecília Cavalcante, Cristiane do Amaral, Toninho Macedo e Conceição Vieira, entre outros.

Sergipe é uma terra boas amizades e muito hospitaleira. Chão do saudoso amigo folclorista Luiz Antônio Barreto (1944-2012). Em Aracaju, sua capital, ainda deu tempo de conhecer o “Instituto Histórico e Geográfico”, fundado em 1912, sendo recebido com honras pela sua presidente e amiga folclorista e historiadora Aglaé Fontes. Estivemos na residência do amigo folclorista Jackson Lima, acompanhado dos amigos Toninho Macedo e Antônio do Amaral. Muita conversa e prosas com Jackson e sua esposa. Também visitamos o elegante “Museu da Gente”, de Sergipe, que se trata de um moderno e belíssimo museu, único no Nordeste, que junta duplamente com exímio agrado ao nosso olhar – a novíssima tecnologia e a histórica tradição.

Sabiamente, certa feita, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) se referiu a Cora Coralina, como a pessoa mais rica e importante de Goiás, de seu tempo. E eu aqui parodiando o visionário mineiro, afirmo para o Brasil inteiro, que Laranjeiras, a capital da cultura popular sergipana, tem nas três grandes figuras: Bárbara, das Taieiras, Josefa, do repente de coco e Zé Rolinha, da Chegança, entre outros, como suas maiores riquezas vivas. Fortunas humanas, avaliadas como ouro de quilate 18. Orgulho de Laranjeiras! Orgulho de Sergipe… O resto é como diria o sábio Zé Rolinha: É tudo muito “complexo” de avaliarmos em tempos de crises…

 

Gutenberg CostaEscritor, pesquisador e folclorista

 

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