JUVENAL NA CACHOEIRA –

A estação das águas era aguardada com sofreguidão pelos habitantes do lugarejo, tanto por ser benfazeja para os que tiravam da agricultura o sustento das suas vidas, como por proporcionar lazer, já que enchia riachos, dando a certeza da perenidade das cachoeiras. Banhos lustrais meses seguidos, até que as chuvas minguavam o sol voltava a secar a terra, pondo tudo à  normalidade regional.

Naquele ano, metade da década dos setenta, não foi diferente. Inverno regularÍssimo. (Por lá dizem inverno quando chove, em um redesenho climático das estações do ano, resumidas a duas, sendo a outra o verão). Aí pelo mês de abril  ocorreu a Semana  Santa. Não bastassem os nativos, acorriam para as águas móveis pessoas de toda a região, inclusive as que aproveitavam o feriado extenso para visitar parentes, amigos, origens.

As sessões de lavagem eram externos e internos. Assim se diz em razão da largueza das cachaçadas que entremeavam as farras. Em um cenário assim, em um dia assim também, chegou Juvenal na passarela. Todos sabiam que era ele; ninguém ousava imaginar que era ela. Altíssimo, esquálido, esteticamente desprovido. À cabeça um chapelão de caubói desterrado, brigante com as carapaças de couro ostentadas pelos vaqueiros da região. Aquele adereço a ele era necessário – segundo as suas ideias – para empréstimo de autoridade, pois além da sua contumácia no jogo de roleta e de bozó caipira, exercia o cargo de fiscal dos serviços públicos municipais. Estava visivelmente transtornado e triste. Ao cumprimento da estudantada visitante, com a clássica indagação sobre se tudo estava bem, respondeu negativamente. Como era possível uma coisa daquelas?!  Saíra de casa para divertir-se com uns amigos, tomando banho de cachoeira, e em um descuido furtaram-lhe as duas peixeiras, o revólver 38 e o par de chinelas japonesas. O curioso é a mobilização de tamanho armamento para tomar um fraterno banho com amigos…

Das duas uma: ou Juvenal estava com o espírito muito longe do pascoalino que dominava as pessoas ao ensejo da celebração da ressurreição de Cristo, ou o seu arsenal, na verdade, resumia-se ao par de sandálias. Fichas na segunda opção.

 

IVAN LIRA DE CARVALHO – Professor e Juiz Federal

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,1270 DÓLAR TURISMO: R$ 5,3770 EURO: R$ 5,4970 LIBRA: R$ 6,4320 PESO…

1 dia ago

Crianças indígenas e não indígenas se encontram em Brasília para aprender juntas a história do Brasil

Desde pequena, Luna Katariru, da etnia Manchineri, conhece a história da luta indígena. Aos 7…

1 dia ago

Caixa paga Bolsa Família a beneficiários com NIS de final 8

A Caixa Econômica Federal paga nesta sexta-feira (26) a parcela de abril do Bolsa Família…

1 dia ago

Após STF barrar medida, frente parlamentar defende a desoneração da folha: ‘Gerar empregos e renda’

Frente Parlamentar do Empreendedorismo, em nota assinada pelo seu presidente, deputado Joaquim Passarinho (PL-MA), defendeu…

1 dia ago

Divórcios e Vendas: na busca incessante pelo par ou cliente perfeito, as oportunidades passam

O Brasil tem enfrentado um aumento significativo no número de divórcios nos últimos anos, enquanto…

1 dia ago

PONTO DE VISTA ESPORTE – Leila de Melo

1- ABC e Náutico se enfrentam neste sábado pela segunda rodada da Série C do…

1 dia ago

This website uses cookies.