HERÓIS E HERÓIS –

Não existe povo com maior capacidade para distorcer conceitos do que nós brasileiros. Abusamos de epítetos chamativos para enaltecer algo ou alguém com catalogações do tipo: lenda, príncipe, mestre, mito, deusa, rei, herói e outras tantas. Contudo, sempre fora de contexto ou descaracterizado do juízo original.

O exemplo que melhor define essa tendência é nominar de rei, rainha ou imperador a quem admiramos por habilidades naturais ou feitos marcantes. Tal propensão enraizada em nossa cultura, se consolidou em decorrência do Brasil Colônia e Monárquico, a partir do domínio e influência de Portugal, entre os séculos XVI e XIX.

Surgiu daí a mania de intitular a tudo e a todos com alcunhas de rei ou imperador, remontando às glórias do passado. O ambiente comercial calhou como uma luva para o exercício de tais rótulos: Rei dos Móveis, Imperador dos Colchões etc. e tal.

E onde não cabia um rei empurrávamos uma “Rainha do Samba” ou “Imperatriz da Fuzarca”, deixando a imaginação popular fixar a conotação de qualidade imperial desejada, aos bens negociados ou a pessoas supostamente prodigiosas que, segundo a estratégia comercial, mereciam tais homenagens.

Usando dessa inclinação esdrúxula foi que emprestamos a Virgulino Ferreira da Silva, o apelido de Rei do Cangaço. Um bandido e assassino dos sertões brasileiros, causador de inúmeras desgraças – ele e seu bando de marginais – numa região assolada pela seca e pela total falta de estrutura, nas décadas de 1920 e 1930.

Cedemos o cognome real a um dos maiores ases na profissão que exerceu. Tão excepcional ele foi que o título de astro se apequenou nele. Assim Edson Arantes do Nascimento se tornou o nosso Rei Pelé e, para o mundo, o Atleta do Século.

Diverte-me ouvir aquele animador de programas de televisão exibir seus convidados aos telespectadores designando-os de “o cara mais íntegro”, “o mais digno”, “o mais insigne” e vários outros predicados superlativados.

 

Por outro lado, me machucavam os tímpanos escutar de certo apresentador de um reality show – veiculado na TV brasileira -, chamar de heróis os integrantes da competição, como se existisse coragem e grandeza no tal confinamento.

Para não pecar por juízo de valor, analisei a fundo a gincana e nada encontrei parecido com heroísmo. A finalidade do jogo é despertar a curiosidade e a lascívia nos telespectadores instados à prática de um voyeurismo virtual e chulo – nada contra quem queira atuar ou pagar para assistir ao dito espetáculo. Minha discordância se prende ao fato de conceituar como heróis os membros do show excêntrico.

Os gregos consideravam heróis grandes homens divinizados que se distinguiam por seus valores ou por suas ações corajosas ou, ainda, por seus comportamentos altruístas e brilhantes, em geral, destacados nas guerras.

Nossos verdadeiros heróis foram soldados que lutaram e morreram nas guerras em defesa do país, em momentos da nossa história. Com a Covid-19 novos heróis se formam no combate de flagelo mortal numa zona de guerra médica e sanitária.

A nossa legião de heróis é pinçada do espírito de solidariedade de brasileiros anônimos, que saem de suas zonas de conforto em ajuda do próximo. Com o novo coronavírus nossos heróis são os entregadores motorizados em quatro e em duas rodas; e, são garis que cuidam da limpeza pública sem receio do lixo contaminado.

São, principalmente, os que vestem jalecos brancos para resgatarem pacientes dos braços da morte, mesmo recebendo como retribuição ao ato de coragem, o preconceito por trabalhar na linha de frente, onde o risco de contágio pelo vírus é extremo.

 

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro e Escritor

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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