ESQUERDA, VOLVER –

A ascensão da esquerda na América Latina é um fenômeno que se iniciou nos anos oitenta, do século passado. Com o fim dos regimes ditatoriais e a consequente abertura democrática, vieram governos ligados à social-democracia, que abriram espaço para os movimentos sociais reivindicatórios e a mobilizações populares, principalmente no Brasil, Chile e Bolívia. Esse fato ensejou o reaparecimento de correntes esquerdistas e, em seguida, a sua ascensão ao poder. Esse raciocínio tem por base o pensamento de que a social-democracia é um posicionamento de centro-esquerda, distinto dos segmentos sectários da esquerda radical.

A “ascensão da esquerda na América Latina” pela via eleitoral, no final da década de 1990, foi marcada por diversos movimentos de natureza anti-imperialista, que se posicionavam contra o “consenso de Washington”, o FMI, o Banco Mundial, o BIRD e as empresas transnacionais. Em alguns países, a abertura comercial provocada pela globalização teve efeito impactante negativo. Na Argentina e no Uruguai, provocou desemprego, aumento da pobreza e enfraquecimento do câmbio. As dívidas públicas se avolumaram e suas economias ficaram acentuadamente dependentes do padrão dólar e de investimentos externos. Por outro lado, o processo de redemocratização permitiu o voto livre e a liberdade de imprensa, mas não impediu a concentração e a desigualdade de renda, riqueza e poder. Para alguns cientistas políticos foi a combinação desses fatores, mais as condições históricas e a cultura política da América Ibérica que possibilitaram aos movimentos de esquerda chegar ao poder pela via eleitoral.

O modelo democrático, desenvolvido na região neste começo do século, é tido como um substituto ao domínio político-social, longamente exercido pelas elites locais. Os grupos e partidos de esquerda captaram e exploraram os crescentes desgostos populares e se posicionaram como uma alternativa reformista, uma opção à hegemonia até então existente e, ainda, um contraponto aos programas neoliberais, muito embora que, para isso, tivessem que agregar à sua agenda grande parte das ideias e programas por eles mesmos taxados de “neoliberais”.

É preciso entender essa ascensão da esquerda como um movimento pendular; uma reação às ditaduras de direita e, como consequência, a corrente latino-americana abdicou da luta armada, de inspiração marxista e che-fidelista, pela efetiva participação nos processos eleitorais. Nesse contexto, certos fenômenos econômicos negativos do capitalismo, tais como a hiperinflação, mesclaram-se com algumas bandeiras populistas, tais como as políticas assistencialistas de emprego e renda, e serviram de degraus para a subida da esquerda ao poder.

Essa contradição vem sendo a motivação para a atuação de movimentos sociais com conteúdo de épocas passadas, porém com novas roupagens. No México, despontou o Exército Zapatista de Libertação Nacional; no Equador, consolidou-se o Conselho Nacional Indígena; na Argentina, o Movimento de Trabalhadores Desempregados; no Brasil, o Movimento dos Sem Terra. O tema tem divido os pensadores latino-americanos e europeus, especialmente porque a ascensão da esquerda em parte das Américas tem sido uma bandeira de oposição aos Estados Unidos e ao mundo capitalista.

O exercício do poder pela esquerda latino-americana está dividido em duas frentes. Uma se identifica como socialista, porém propõe reformas modernas e práticas políticas de ajuste socioeconômicas, voltadas à melhoria na educação, saúde, segurança, moradia e emprego. Esta é a esquerda antenada com a globalização comercial e financeira, de perfil técnico e desenvolvimentista; a esquerda dos resultados, da diplomacia e da boa vizinhança. A outra é eminentemente populista, nacionalizante, com projetos políticos restritos e fundamentados no assistencialismo de repartição do dinheiro público e que defende o fim da exclusão social via Estado. Esta última é uma esquerda barulhenta, que nega o mercado e o capital como meio de integração social e, em alguns casos, prega o não pagamento da dívida externa, porém todos exploram ao máximo a exposição midiática – televisões, jornais, revistas, rádios etc.

O debate sobre esse assunto cresceu na medida em que a “boa e a má esquerda” do Brasil, Chile, Uruguai e Bolívia (por exemplo) aceitaram se expor à via eleitoral, como o caminho mais acertado para o exercício político. Isto foi o resultado de um aprendizado político que exorcizou os erros históricos e indicou o caminho para a exploração dos erros sociais das elites até então governantes. No poder, uma parcela da esquerda aprendeu a dialogar com a elite econômica, com os movimentos sociais e com a sociedade civil organizada; formando os “governos de coalizão”. Outra, não; continua raivosa e estridente.

* Com colaboração do Prof. Ângelo Magalhães

**Publicada originalmente em Tribuna do Norte. Natal, 22 Dez, 2022

 

 

 

 

 

Tomislav R. Femenick* – Jornalista e historiador

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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