Inclinação média de 30 graus
A terra nesse estado líquido passa então a sofrer com o efeito da gravidade, por causa do ângulo de seus morros.
“Muito está relacionado com a inclinação da encosta”, diz o professor. “A inclinação da encosta na Serra do Mar, nós estamos falando em inclinações acima de 30 graus. Acima de 17 graus, de 20 graus de inclinação a gente já começa a ter o processo de movimento gravitacional de massa, dentre eles o escorregamento.”
Outro processo que, segundo ele, é ainda mais intenso, é o chamado fluxo ou corrida de detritos.
De acordo com Reis, o material do solo, junto com árvores e até blocos rochosos, se depositam na base da encosta. Conforme a chuva vai ocorrendo, esse material pode receber mais água e virar um fluxo líquido, que vai em direção aos rios, passando por estradas, entrando nas ruas, derrubando casas até atingir uma parte mais plana, onde estão as praias, ou até atingir o mar.
“Por isso nós vimos vários locais, principalmente em Toque Toque, mesmo na Barra do Sahy, no Juquehy, os fluxos indo no meio da rua, porque são as áreas onde o fluxo vai encontrar”, diz ele, ressaltando que “esse fluxo de detritos é tão forte que pode levar blocos rochosos do tamanho de uma casa“.
‘Paredão’ que prende as nuvens
Mas o processo de liquefação do solo e, depois, do movimento gravitacional de massa, só ocorre se existe a água para iniciar toda essa transformação. “A chuva é o agente deflagrador do processo. Ou seja, ela que que induz o processo [de movimento] mais rapidamente, pela saturação do solo”, diz o professor.
O problema é que, como a Serra do Mar é composta de uma cadeira de rochas altas, ela acaba formando um “paredão” que impede a dissipação das nuvens.
Carregadas de água, elas acabam concentrando as chuvas justamente sobre as cidades litorâneas e os morros inclinados e com solo superficial. E o desmatamento para a ocupação irregular do solo torna tudo isso ainda mais perigoso.
O caso histórico de Cubatão
Na década de 80, a chuva ácida, provocada pela poluição do polo petroquímico de Cubatão, começou a devastar a Mata Atlântica que cobre as encostas, o que deixou marcas por toda a extensão do maciço.
A situação era tão dramática que o governo do estado começou a bombardear a Serra do Mar com sementes de árvores.
Além de iniciativas como essa e, principalmente, o controle da poluição no polo, ajudaram a recuperar a vegetação.
Eventos extremos são desafio atual
Mas a crise climática, que aquece o planeta e a temperatura da água do mar, traz novos desafios.
O climatologista Carlos Nobre explica que eventos climáticos extremos, como o deste fim de semana, serão registrados praticamente todos os anos.
“Teve um momento ali em São Sebastião que houve 120 milímetros em uma hora. Isso é um recorde de chuvas de uma hora. Então, tudo isso nós devemos nos preparar, porque não tem volta. As mudanças climáticas continuam, e elas vão só se acelerar”, disse Nobre.
Ele cita dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que estima que 2 milhões de brasileiros vivam em mais de 40 mil áreas consideradas de altíssimo risco, por estarem perto de rios, riachos ou em encostas muito íngremes, e mais suscetíveis a desastres naturais.
“Temos que ter soluções que busquem, por exemplo, no curtíssimo prazo, instalar sirenes em todas essas áreas”, explicou ele. “E, para soluções definitivas, nós temos que remover milhões de brasileiros que vivem nessas áreas de altíssimo risco. Tem que criar a possibilidade de moradias seguras para milhões e milhões de brasileiros.”