DE UMA MARGEM PARA OUTRA –

O chefe da ‘Commissão Scientífica pelo Governo Imperial’ J. Barbosa Rodrigues, em missão de ‘Exploração e Estudo do Valle do Amazonas’, debruçou-se em percorrer o Rio Tapajós e em fazer um relato sobre os núcleos habitacionais encontrados em suas margens. Trabalho esse que dedicou ao ‘Instituto Historico, Geographico e Ethnographico do Brazil’, em 1875.

Em seu minucioso documento, em relação ao Rio Tapajós, expressa um encantamento, tal qual, noventa e seis anos depois, em 1971, também fez aflorar em mim esse mesmo sentimento. Disse ele: “Quando penetrei no Tapajós, como que senti minha alma alegrar-se”.

Pois bem, em uma manhã ensolarada de março, revelada pela natureza exuberante da floresta amazônica. Estava eu ali, à margem do Rio Tapajós, na expectativa de, pela primeira vez, passar de uma margem para a outra, em direção à cidade de Itaituba, no Pará.

O que eu estava fazendo naquele lugar?

Antes de continuar gostaria de expressar a minha gratidão a uma instituição de ensino e a um profissional da engenharia. O primeiro por me capacitar com extrema competência e o segundo, por acreditar e dar oportunidade a um jovem que aspirava um futuro promissor. Assim, rendo homenagem à Escola Técnica Federal (hoje IFRN) e ao amigo Manoel de Oliveira Cavalcante Neto (engenheiro chefe do trecho da obra da Rodovia Transamazônica), cujo acampamento central(canteiro) estava instalado em uma das margens do majestoso Rio Tapajós, no local denominado de Miritituba.

De margem que me encantou, para a cidade de Itaituba, distava a largura do rio que era de 2,5 Km. A travessia era em canoa de madeira com motor movido à gasolina, sempre lotado nas idas e vindas. “Cuidado para não virar”, era o desejo de todos que se acomodavam para a “viagem” que a qualquer hora (do dia ou da noite) encantava por deslizar em suas águas misteriosas. Comigo, no barco, também o amigo e companheiro de equipe de trabalho, Omar Romero de Medeiros Sobrinho.

Cúrrente calamo (Con una pluma que corre), meu pensamento ia se misturando nessa quietude das águas cristalinas com a saudade inquieta da família, dos amigos e da noiva Cléa Maria, que estavam atreladas ao meu ser.

O andar da obra era cativante por diversos motivos. Posso citar que dar um passo entre árvores, igarapés, sons de pássaros e o silêncio da expectativa do que poderia encontrar pela frente eram estimulantes.

Saíamos cedo, nos primeiros sinais do alvorecer. A alegria contagiante de ir em busca de suplantar mais um obstáculo, gerava uma força extra que me impulsionava.

Operários, técnicos, engenheiros, operadores de máquinas, famílias, vindos dos mais diferentes lugares deste imenso Brasil, davam um toque de cumplicidade em favor da meta. Naquele momento éramos parceiros da sobrevivência. Muitos estavam ali por uma oportunidade financeira, mas, mesmo assim éramos irmanados na luta pelo sucesso. Não cabia a nenhum de nós questionar a vida que deixaram para trás. Todos eram iguais, a despeito das múltiplas funções.

Nos raros momentos de folga, me aproximava de um ou de outro para ouvir os relatos que traziam contidos em si. E como tinham histórias. Umas de superações, outras de sofrimentos, outras de paixões, outras de famílias, outras de começos e recomeços, outras de fé, outras de descrenças, outras de erros e acertos no caminhar da vida.

Trago, hoje, essas lembranças como reflexão do quanto em minha trajetória tive que passar de uma margem para outra, muita das vezes, em barcos frágeis que balançavam diante de ondas gigantescas de ansiedades, de medos e dificuldades que me afundariam em águas turvas, não fossem as mãos delegadas por Deus e, das Dele, para que eu pudesse agarrá-las e sentir-me seguro na travessia.

Estou sempre agradecendo a Deus por me levar de uma margem para outra, principalmente por atravessar a noite escura e sombria da insônia.

Já não alerto “Cuidado para não virar”, mas “Segura firme a minha mão, Senhor”.

Não sei em qual margem estarei amanhã.  De onde estiver, ficarei observando e torcendo para que você também passe de uma margem para outra segurando a mão de Deus.

As águas seguem o seu curso natural.  As margens ora se aproximam, ora se distanciam. Também em nossa vida, ora estamos perto, ora distante do milagre essencial do amor, seguindo o nosso curso até desaguar na casa do Pai.

 

 

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras (josuacosta@uol.com.br)

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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