DE BRAÇOS COM A SAUDADE: JOAQUIM, ENTRE O HOMEM E O POLÍTICO II – Alfredo Bertini

DE BRAÇOS COM A SAUDADE: JOAQUIM, ENTRE O HOMEM E O POLÍTICO II –

(*) Alfredo Bertini

Se neste meu manifesto de gratidão, em forma de singela homenagem ao amigo, o exercício de descrever Joaquim Francisco como figura humana já foi um ato difícil, quero dizer que fazê-lo nesta segunda etapa do texto, na condição dele ser um líder político, também não será uma tarefa tão fácil.

Por mais que muitos conheçam a estatura e firmeza da sua vida pública, Joaquim foi ímpar nesse seu ofício de político, algo que me impõe uma dose maior de responsabilidade no simples gesto da homenagem em si. Como disse o Professor André Régis a respeito dele: “a grandeza da obra política de Joaquim é inestimável”. Vou além e completo: não julgo cabível que réguas com narrativas próprias, muitas vezes incontidas pelo negacionismo sistêmico à política, atuem como instrumentos de avaliação dos homens públicos de boas cepas. A raridade dessa espécie, por si só, mostra logo a força do “cartão de apresentação” dos políticos que se grafam com “p” maiúsculo. E nisso a sociedade sabe muito bem como diferenciar “o joio do trigo”.

Numa mistura de palavras filosóficas com literárias, permitam-me o admirador atento e o leitor interessado que ouse na minha descrição de hoje. Isso mesmo: vou temperar meu esforço inicial por definir Joaquim político, combinando os pensamentos de Aristóteles e Shakespeare. Se o primeiro dizia que a ‘grandeza humana não consiste em receber honras, mas fazer jus por merecê-las”, o reforço shakespeariano alertava para o risco de que o “mal da grandeza é quando ela separa a consciência do poder”.

Pois, então, quero aqui enfatizar que toda reverência feita à grandeza política de Joaquim não é apenas uma atitude meritória, pois sua dimensão pública resistiu ao tempo. Em especial, porque a firmeza da sua consciência política se manteve em alta, com ou sem poder. Por isso, darei aqui alguns exemplos que ajudam a fortalecer essa minha tese, além de reforçar o papel que Joaquim exerceu como uma liderança política ética, preparada e firme.

Apesar do legado de uma extensa obra nos cargos exercidos como secretário, prefeito, deputado federal, ministro e governador, saio do plano quantitativo e foco em apenas 4 (quatro) aspectos qualitativos. Todos representam atitudes relacionados aos seguintes temas: a) ministro do governo Sarney; b) a visão ampla sobre a prioridade dada a Suape; c) a influência no governo Itamar; e, d) a atuação na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Joaquim estava tão à frente com seu ideário, que farei aqui um reforço retórico: foi um político 4 D, quadrimensional. Para cada situação anterior, diria que foi DILIGENTE (no episódio da sua saída do governo Sarney), DIALÉTICO (ao buscar densidade política à sua prioridade em nome de Suape), DETERMINADO (no seu ativismo junto ao governo Itamar) e DISCIPLINADO (na engenharia política que resultou na Lei de Responsabilidade Fiscal).

A sua “dimensão diligente” representa um raro exemplo, naquilo que se vê na cena política atual. Como então ministro do interior do governo Sarney, exerceu todo seu zelo e interesse pela política pública, quando no trocadilho entre transição e transação renovou suas fichas na primeira opção. Em seguida, trouxe à tona sua tática eventual pelo que chamava de “resistência dialética”, ao trocar seu estilo equlibrado de se posicionar e delimitar os campos de confronto, pelo chamamento conciliador. Como presidente de Suape na ocasião, assisti à sua altivez por conclamar as forças de oposição ao seu governo, para que juntos marchassem pelo interesse público em nome de Suape. Em seguida, cabe também o registro da sua maneira “determinada” de entender seu espaço público, mesmo quando o poder lhe poderia ser maior. Isso se deu no governo Itamar, quando negou trocar sua gestão estadual pelo ministério da fazenda, sem que daí perdesse a oportunidade de fazer do seu secretário Krause, um ministro nordestino à frente da economia. Por fim, destaco sua forma “disciplinada”, cartesiana, que mesmo diante de tantos interesses e conflitos, soube como propiciar ao país, no seu papel de parlamentar e presidente da comissão, a criação de uma lei que condicionou a pertinência da responsabilidade fiscal aos gestores públicos.

Esses exemplos mostram muito bem a relevância nacional do papel político de Joaquim. Uma pena que seu apogeu político tenha sido tão rápido e contundente, a ponto das gerações mais jovens não terem acompanhado de perto seus ofícios. De qualquer forma, mesmo sem gabinete executivo ou tribuna parlamentar, Joaquim se mantinha firme e forte na cena política, pelas consultas permanentes, bem como, pela sua preocupação em se atualizar para estar pronto a debater, fosse em estúdios de rádios e TVs ou auditórios. Neste caso, até repleto de jovens perplexos pelo seu conhecimento, como pude ver de perto junto aos alunos do ITA e do Instituto Alpha Lumen, naquela última viagem que fizemos juntos a São José dos Campos.

Por conta desse seu estilo, que combinava capacidade intelectual com comunicação popular, dizia para ele, nos últimos papos que tivemos, que a eterna porta aberta para uma volta eventual do político se misturava à expressão do conhecimento técnico de um ser oxigenado. Uma espécie de “novo” Joaquim pronto para quaisquer desafios. Nisso, eu dizia para ele que teria criado uma linguagem própria, um estilo de se fazer presente, com sua densidade histórica natural, agora aliada e em perfeita sintonia com os nuances da atualidade.

Revelo aqui um momento de descontração, no qual modelamos um conceito para essa situação. Ou seja, para fazer frente ao contexto que se apresentava, a linguagem que desenhamos juntos teria um nome firme, resistente e com a “marca Joaquim Francisco”. Nasceu daí o neologismo “maçarandubês”. Quem o conheceu de perto, irá entender a razão dessa nossa descontração.

Foi-se o homem. Foi-se o político. Foram juntos momentos de reflexão e bom humor. Resta-me o vazio, além daquela discreta e respeitosa vontade de interpelar o Criador sobre dar o destino final às suas criaturas, justo nos momentos em que a gente jamais espera que a perda aconteça. Mas, como diria Clarice Lispector: “minha alma tem o peso da saudade e pesa como pesa uma ausência”. Fico com esse consolo.

 

 

 

 

 

Alfredo Bertini – Economista e ex-secretário nacional do audiovisual e de infraestrutura do Ministério da Cultura

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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