COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: MAIS COISAS DO NATAL DE ANTIGAMENTE – Antonio José Ferreira de Melo

COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: MAIS COISAS DO NATAL DE ANTIGAMENTE

 

O VENDEDOR DE PEIXE, CAMARÃO E CARANGUEJO

A proximidade com as áreas alagadas do vale do Rio Ceará Mirim, proporcionava aos moradores de Natal, uma fartura de camarões, carapebas, tainhas, caranguejo-uçá e caranguejo-guaiamu, também conhecido como guaiamum, e até goiamum, além de siris, aratus, muçuns e ostras.

Arês e Nísia Floresta, também eram fornecedores, em função das Lagoas de Guaraíras e Papari, e do seu entorno.

Os vendedores passavam gritando o nome dos produtos, que vinham dependurados no “calão”, que era uma haste de madeira, como se fosse um caibro roliço, normalmente, de “mangue ratinho”, da qual pendiam os peixes e crustáceos.

O VENDEDOR DE PEIXE DA ÁGUA SALGADA

A praia da Redinha era o último elo de uma corrente de áreas produtoras de peixes de água salgada, formada pelas praias ao norte da capital, conhecidas por serem piscosas.

Vendedores, chegavam, vindos pela beira da praia, transportando nos “caçuás”, montados no lombo dos cavalos e éguas, muitas delas, paridas, que eram acompanhadas pelos poltrinhos.

Os animais ficavam na praia da Redinha e as mercadorias eram embarcadas, para atravessar o Rio Potengi, em busca do Cais Tavares de Lira, na Ribeira.

Chegando em Natal, os vendedores faziam o comercio de casa em casa, após destinarem parte, aos mercados públicos e feiras.

O VERDUREIRO

Hoje, ao chegar no supermercado, fico lembrando como era no Natal de antigamente.

Os legumes, verduras, tubérculos, raízes e bulbos, quase que se resumiam a: chuchu, pimentão, tomate e jerimum, alface e couve, batata doce, cenoura, inhame e macaxeira, alho e cebola.

O tempero verde era uma “casadinha de coentro e cebola comprida”, que se chamava de “molho”.

Antigamente, não se podia, sequer, pensar em alho-porro ou alho-poró, brócolis, couve flor, acelga e rúcula, entre outros.

Espinafre, somente era conhecido por conta das histórias em quadrinhos do Marinheiro Popeye, quando tinha que salvar Olivia Palito, das garras de Brutus.

Hoje, pelas facilidades de transporte e até pela mudança de hábitos e costumes da população, especialmente, em função do turismo, a diversidade oferecida é grande, e, quase tudo, já se produz por aqui.

O VENDEDOR DE CUSCUZ “CAFÉ DA MATA”

Quando estava sendo preparado o “café”, logo cedo da manhã, com a pressa necessária, devido a saída das crianças para o colégio e do pai para o trabalho, era a hora em se ouvia o barulho dos vendedores de cuscuz, cujo maior produtor era da marca “Café da Mata”.

Para serem ouvidos, além de gritar, “olha o cuscuz”, eles batiam com uma espátula na estrutura do “tabuleiro”, que era uma caixa de alumínio, com duas tampas e uma dobradiça no centro, dispondo de quatro pernas de apoio.

Quando chamados, eles colocavam o tabuleiro no chão, e rapidamente entregavam o que era solicitado, partindo para o próximo cliente.

Não havia tempo a perder, uma vez que a utilização do produto era no café da manhã, e, passado o horário, perdiam a importância.

Sabe a espátula que batia no tabuleiro? Era a mesma que “pescava” o cuscuz.

Para guardar ou retirar o dinheiro, destinado a “passar o troco”, levavam uma sacola a tiracolo, onde metiam a mão, para depositar ou pegar as notas e moedas.

Álcool em gel?

Nem pensar.

Acho até, que nem tinha sido inventado.

O VENDEDOR DE PIRULITO

Numa tabua furada, vinham, “espetados”, os pirulitos.

Até hoje, não sei do que eles eram feitos, mas devia ser um melaço, que, ao esfriar, endurecia dentro de um papel impermeável, enrolado em forma de cone, com um palito de coqueiro no centro.

Essa tabua furada, não tinha cobertura, e era apenas pregada num pau, que, quando segurado, lhe mantinha suspensa acima da cabeça do vendedor.

Pensa que os pirulitos vinham protegidos contra poeira, mosca e outros bichos?

Nada.

O VENDEDOR DE GELEIA DE COCO

A geleia de coco, ou “quebra queixo”, era um doce, tipo cocada, feito com coco ralado e açúcar branco.

Para reforçar a imagem, trazia pedaços de coco seco misturado.

O tabuleiro, era uma caixa com o fundo de alumínio, que o vendedor levava na cabeça, onde era espalhada a garapa, para o processo de endurecimento e “comercialização”.

A exemplo do cuscuz, o vendedor levava uma espátula, porém, mais consistente, que cortava, em tiras, a garapa endurecida.

Não existia tabela do “INMETRO”, determinando o tamanho das tiras, que dependia do valor da venda e da boa vontade do vendedor.

Os pedaços, vendidos no meio da rua, eram “servidos” em tiras de “papel de embrulho”, cuja origem, Deus é quem sabe, e que já vinham cortadas, e espetadas num arame.

A geleia de coco, era o terror dos dentes cariados. Não havia como eles escaparem da dor, ao serem atingidos.

OS DEMAIS VENDEDORES

Como não existia uma rede fixa para venda, e até por serem perecíveis, o processo de comercialização de muitos produtos, era de “porta em porta”.

Assim, tinha os vendedores de cocada, bala de coco, tapioca, carimã, cavaco chinês, sequilhos, raiva, grude, e muitos outros, cujo processo de comercialização, guardava muita semelhança.

Tinha também o vendedor de “poli”, que merece destaque, uma vez que essa denominação, para o picolé, era propriedade do povo Natalense.

Aqui não tinha picolé. Tinha “poli”

Em casa a meninada fazia suco e colocava nas caçambas de gelo, para chupar o “poli” caseiro, até se empanturrar.

Obviamente, sob a ameaça da mãe ou da irmã mais velha: “se ficar gripado, além dos remédios, ainda vai levar uma surra”.

OS PESOS E MEDIDAS

As mercadorias compradas no peso, normalmente eram fracionadas, e, quando íamos comprar 250g, dizíamos, por exemplo: me dê uma “quarta” de carne de charque.

Lá em Portugal, para os produtos secos, a medida era o “alqueire”, o “meio alqueire”, a “quarta” e a “oitava”.

Daí, se pode imaginar, que o uso, por nós, do termo “quarta”, mesmo no século XX, decorria do fato de que seria a quarta parte, e, então, transferiu-se o entendimento para o “quilo”.

Comprava-se também uma meia garrafa de querosene ou “gás”, enfim, frações das medidas de líquidos, que fossem necessárias para “completar” as compras mensais.

 

COCULO

Às vezes me deparo com determinados termos, e fico imaginando sua origem.

No interior é comum OUVIR falar em “coculo”.

Por exemplo: fulano colocou tanta comida no prato que fez um “coculo” no meio.

Veja bem de onde vem isso.

Quando foi estabelecida a lei com a obrigatoriedade da adoção do sistema métrico: “metro, litro, quilograma e suas subdivisões”, também foram criados recipientes para medição de produtos secos, que até há pouco tempo, eram encontrados nas feiras livres, usados pelos vendedores de farinha e feijão, por exemplo.

Esses recipientes, geralmente, eram feitos em madeira, e tinham o formato de um cubo.

Ocorre que, nas medidas, ao serem preenchidas, ia sendo criado um montinho no centro, formando alguma coisa parecida com uma pirâmide.

Esse montinho era chamado de “cogulo”, “cagulo” ou “cogulho”.

Daí, o “coculo” do nosso matuto nordestino.

PASSA RÉGUA

Dependendo da “mão” de quem enchia as medidas, uns “montinhos” eram maiores que os outros, variando assim o tamanho dos “cogulos”, e, consequentemente, as quantidades, de um vendedor para outro.

Lembra-se de “João Canabrava”? Aquele personagem beberão vivido por Tom Cavalcanti, que mandava colocar bebida no copo e dizia: “passa a régua”, ou seja, encha até as bordas do copo, pois, sendo um produto líquido, a partir daí iria transbordar.

Pois bem. Para que a medição dos produtos secos fosse corretamente realizada e de maneira uniforme, o Rei fez uma lei, obrigando que o limite a ser atingido, pela mercadoria vendida, seria a borda da medida.

Então, para isso, criou um instrumento cilíndrico, que, funcionando como uma régua, ao ser passado rente com as bordas, eliminava o excesso do produto.

Esse instrumento, chamava-se “rasoura”.

Ainda hoje, nos bares, é comum pedir ao garçom para colocar a bebida com “choro”, ou seja além das bordas da medida ou do dosador, porém, caindo dentro do copo do freguês.

 

A MERCEARIA, A VENDA

Até o meado do século passado, o abastecimento das famílias era feito através dos armazéns de secos e molhados, feiras livres e mercados públicos.

No entanto, no dia a dia, existiam “as vendas” ou “mercearias” que atendiam as urgências, quando a mercadoria acabava ou uma nova necessidade aparecia.

Naquele tempo, ainda havia o costume de “ver se a vizinha tinha pra emprestar”. Lá em casa, era assunto proibido. Meu pai não admitia. Justificava ele, que a venda estava “logo ali”.

As “vendas” eram os pontos de comércio dos bairros, e elas surgiam a cada três ou quatro quarteirões.

Toda rua que se prezasse, tinha uma venda ou mercearia de estimação. A nossa, da Rua Mossoró, era de seu Francisco Possidônio. Seu Chico.

A relação da mercearia com a família era de intimidade, afetividade e confiança. A despesa, não precisava ser paga no “caixa”, pois podia ser colocada “na caderneta” ou “na conta”, como se dizia, para ser pago no final do mês, ou até “mais pra frente”, dependendo da disponibilidade do dinheiro, sem que a demora gerasse juros.

Também era na venda, onde se fazia uma “fezinha”, arriscando um dinheirinho no jogo do bicho, cujo sonho da noite mais identificava.

Como eu veraneava na Redinha, me lembrei da venda de Seu Soares, que vendia de tudo: anzol e linha de nylon para pescar, linha zero pra soltar coruja, querosene, pavio pra candeeiro e lamparina, carne de charque, açúcar etc.

Naquele tempo, a praia da Redinha, não contava com energia elétrica e o querosene ou gás, era usado para iluminação.

Como não existia COVISA ou outro qualquer instrumento de fiscalização dessas frescuras de hoje, no mesmo balcão que era despachado o pão e a carne, era despachado o querosene e ninguém morreu por conta disso.

A “VENDA” E A PIADA DE JOÃOZINHO

Falando em venda, temos a velha piada de Joãozinho.

Ele chegava, e, aos berros, dizia: Seu Chico me dê um rolo de papel de limpar cu.

Como as freguesas reclamavam, Seu Chico chamou Joãozinho, em particular, e pediu para ele não usar mais esse palavreado, recebendo dele, a promessa de que não ia mais falar nesses termos.

Passados dias, Joãozinho chega, e, como sempre, aos gritos, pede um rolo de papel higiênico.

Seu Chico, satisfeito com o resultado da doutrinação, diz: muito bem menino. Assim é que se fala.

Então, o excesso de confiança, fez Seu Chico cometer uma grande bobagem, ao perguntar: é pra botar na caderneta?

Joãozinho responde: não. É pra limpar cu.

 

 

Antonio José Ferreira de Melo economista -antoniojfm@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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