COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO NATAL SEM MEMÓRIA – Antonio José Ferreira de Melo

 

COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO NATAL SEM MEMÓRIA –

 

A PRAIA DA REDINHA

Estava no Iate Clube, nesse domingo, contemplando o Rio Potengi, a ponte Nilton Navarro e os manguezais, quando me veio à lembrança, as coisas da Redinha de antigamente.

A PRAIA DA REDINHA – COMPORTAMENTO E GEOGRAFIA

A Praia da Redinha, nas décadas de 50/60, e na época do veraneio, reunia uma população que se transformava numa verdadeira família.

Não havia desconhecidos, todos se entendiam, e os raros desentendimentos, eram coisas sem consequências.

Não se constituíam em “brigas”.

O veraneio começava em dezembro e ia até o carnaval.

A praia dividia-se em três setores: o “MARUIM”, que era a parte às margens do Rio Potengi próxima a Gamboa e ao Cemitério dos Ingleses, a “FRENTE”, também às margens do Potengi, onde se situava o mercado, o trapiche e o Redinha Clube, indo até o quebra-mar da “Boca da Barra”, e a “COSTA”, que ficava de frente para o mar aberto, indo até o Rio Doce.

O MANGUE

Nós, que veraneávamos na COSTA, frequentávamos o MARUIM, para pegar caranguejo no mangue e siri na Gamboa.

Embora fossemos alertados pelos nativos para os perigos de pisar num “aniquim”, a vontade de pegar os caranguejos, nos fazia esquecer o perigo, ao pisar na lama, obviamente, com os pés descalços.

Passados esses tempos todos, ao escrever essas lembranças fui perguntar a “Seu Guga” sobre esse peixe, e aprendi que ele existe, realmente, e se chama “niquim”, que, graças à Deus, nunca pisei em nenhum deles.

Quanto aos efeitos dos seus espinhos perigosos, é tratado como um dos mais venenosos do Brasil, cujas consequências, podem evoluir para um quadro de necrose, e deixar sequelas permanentes.

Já pensou?

Aqui, uma contribuição de “Seu Guga”: como não existe antídoto conhecido, o tratamento consiste em mergulhar o local atingido na agua mais quente que a pessoa possa suportar, pois o veneno se decompõe com o aumento da temperatura.

Agora, um remédio popular: “pode-se urinar sobre a ferida”. Segundo estudos, a eficácia reside mais no calor, do que nas substâncias presentes na urina.

De qualquer maneira, não custa nada usar.

Pelas fotografias, da Internet, me lembrei que conhecia o “bandido”, pois, quando os pescadores “puxavam o tresmalho”, e ele vinha junto aos peixes desejados, era eliminado, por ser perigoso e não servir para comer.

No mangue, com toda a sua diversidade, que é o início de toda cadeia alimentar marinha, e que produz mais de 95% do que o homem captura no mar, também encontrávamos os cavalos marinhos, que colocávamos num vidro, como se fosse um aquário, para admirar suas evoluções.

Porém, conscientemente, nunca, por não mais que um dia, pois soltávamos no rio para que não morressem.

Lembrando do passado, as vezes, fico lendo ou ouvindo as teses dos ecochatos, contra a utilização do ecossistema costeiro – constituído pelo manguezal ou mangal ou mangue, incluindo os apicuns – para os projetos de piscicultura ou carcinicultura, e acho que eles tem razão, em questionar os excessos.

O RIO DOCE

O Rio Doce, que somente, muito tempo depois, fui saber que era formado pelo sangradouro da Lagoa de Extremoz, servia de trilha para nosso divertimento.

Nas dunas que serviam de margem inclinada, encontrávamos os chamados cajueiros nativos, ou “cajueiros brabos”, cujas cascas roxas, quando eu já era adulto, tomei conhecimento que curavam o câncer, coisa nunca comprovada, mas que provocou muita destruição.

Na época da festa do caju, existia um prêmio para o maior e o menor “falso fruto” – pois o fruto do cajueiro é a castanha – e era nas dunas do Rio Doce, que encontrávamos os menores, e levávamos para as disputas.

Os araçás, que são pequenas goiabas, também eram encontrados nessas áreas de dunas, pois são originários da mata atlântica.

Comíamos até abusar, e, os que sobravam, eu levava para “Maria Preta” fazer um doce de excelente qualidade.

Também era no Rio Doce, debaixo de folhas de coqueiro, buchas de coco ou outros locais, onde podiam se esconder, que encontrávamos os camarões, e os “pegávamos”, com um puçá, ou mesmo cercando com as mãos.

Quando dava sorte, e capturávamos uma boa quantidade, estava garantido o almoço.

O REDINHA CLUBE

O Redinha Clube era o ponto de encontro.

Hoje, se diria, o “point”.

Lá se jogava ping-pong, realizavam-se bingos, aconteciam os bailes – animados pela sanfona e saxofone de Nestor – com pandeiros, bombos diversos, namorava-se, e rolava também um joguinho de pif-paf.

Na parede do salão estava escrito: 10 MESES DE PRISÃO E DOIS DE LIBERDADE, para traduzir, em palavras, o que representava aquela liberalidade de vida, durante aquele período.

A LUZ ELÉTRICA

A energia, fornecida pelo gerador do Redinha Clube, em dias normais, era desligada às 22h00, após o terceiro “sinal”, que se constituía em reduzir a intensidade da luz, por três vezes, anunciando a hora de se recolher.

Era a hora de menino ir para casa, e o único perigo, consistia numa “topada” em alguma pedra escondida na areia ou no piçarro da estrada.

A iluminação das casas era feita com lanternas SUN-FLAME, a querosene, que precisavam “dar ar”.

Quando a quantidade de ar diminuía, caía a claridade e precisava “acudir”, para que não se apagassem.

Usavam-se também as lâmpadas Aladim, que funcionavam com querosene e pavio, porém, possuíam uma “manga”, para proteção contra o vento.

Os candeeiros feitos de “flandre” ou aproveitando latas de leite em pó, faziam parte desse arsenal, e eram utilizados para as atividades menos nobres.

Nos sanitários, por exemplo.

COISAS DO FOLCLORE GASTRONOMICO

A tapioca com peixe frito, originada da cultura indígena, era vendida nos “locais” do mercado, que também vendiam cuscuz e carne torrada, para as “refeições” dos “viajantes” de outras praias, que passavam pela Redinha em busca de Natal, ou de volta para as suas casas.

Tempos depois, a tapioca com peixe frito, sendo apenas com “ginga ou manjuba”, passou a ser considerada uma iguaria, e hoje, até já se transformou em “comida símbolo de Natal”, com o pomposo título de “Patrimônio Imaterial da Cidade do Natal”.

Coisas que o turismo constrói, na falta de capacidade.

Era também, no mercado, que se compravam frutas da época, verduras, azeite de dendê, pimentas e condimentos, produzidos na região, bem como tainhas, carapebas e outros peixes menores, pescados pelos tresmalhos de Caboclo e Negão.

Negão, com aparência assustadora, tinha um olho cego, “vazado”, não sei em que “acidente”, e fazia medo aos meninos que “atrapalhavam o serviço”, quando iam pegar os peixinhos que passavam pelas malhas da rede.

Vizinho ao mercado, Geraldo e Dalila vendiam os peixes “de primeira”, trazidos pelos paquetes, alem de preparar excelente comida.

 

A ESTRADA

Chegava-se na Redinha, somente pelo Rio Potengi, na lancha de Luiz Romão, pilotada pelo “mestre Diogenes”, ou nos botes, “comandados” por Ferrinho e Janjão.

Os possuidores de “Jeep Willys”, e também, os proprietários de veículos “Land Rover”, os únicos 4X4 da época, somente eles, chegavam à praia, por cima dos morros

Um dos proprietários de “fora de estrada” era Humberto Gomes Teixeira, representante comercial em Natal, entre outras, da famosa marca dos chocolates Garoto e da manteiga Mucuripe.

Seu Humberto, como o chamávamos, às suas expensas, e durante parte da noite de todos os dias, ao chegar do trabalho, e nos feriados e finais de semana, carregando piçarro em uma caçamba puxada pelo seu Jeep, construiu o acesso à praia, para veículos com tração normal.

Hoje, vemos um bando de idiotas, falar, sem saber, que determinado político construiu a estrada da Redinha.

Não quero tirar o mérito de quem, depois, com os recursos dos nossos impostos, “calçou” ou “asfaltou” aquela via.

Porém, indiscutivelmente, de Humberto Teixeira, partiu a decisão e o empenho, devendo ele, merecidamente, ser nominado como o idealizador e o construtor da estrada da Redinha.

A participação dos seus vizinhos de veraneio, João Ferreira de Melo e Adriano Rocha, não pode deixar de ser lembrada.

Possuidores de camionetes, e também com os próprios recursos, contribuíram nesse afã, ajudando a transportar o material, que era buscado na localidade de Pajuçara, alguns quilômetros de distância do local da obra, lembrando-se, que tudo era feito na base da pá e da enxada.

Enchedeira? Nem pensar.

Até João Ferreira de Melo Filho e Adrimari Rocha, jovens motoristas, sem carteira, deram a sua “mãozinha”, acompanhando Betinho, que era o filho mais velho de Seu Humberto.

A FALTA DE RECONHECIOMENTO

Aluizista histórico, “Seu Humberto”, carregava uma enorme bandeira verde em seu veículo, e outra, maior ainda, era colocada em sua casa.

Nem por conta disso, foi lembrado pelos “Alves”, que passaram pelo governo Estadual e Municipal, e também pelo Legislativo.

Anos depois, a “estrada da Redinha” foi denominada Avenida Dr. João Medeiros Filho, que não fez nada, pela estrada, e nem pela Redinha.

Porém, não se tem conhecimento de nenhuma rua do hoje Bairro da Redinha, que leve o nome de Humberto Teixeira.

Aqui, estou fazendo a minha parte, e não é pela primeira vez.

São as coisas do Natal, e do Brasil, sem memória.

 

 

 

Antônio José Ferreira de Melo – Economista – antoniojfm@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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