COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO INTERIOR, A FAZENDA ALVORADA – Antonio José Ferreira de Melo

COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DO INTERIOR, A FAZENDA ALVORADA –

 Fui proprietário de uma fazenda no vale do Ceará Mirim, na comunidade do Capim, onde rolaram muitas coisas que motivaram muitas histórias engraçadas.

Algumas, relatáveis, outras não.

O meu vaqueiro era Bino Rosa, que eu importei lá das bandas de Monte Alegre. Ele era conhecido como puxador de boi e eu terminei participando do esporte, fazendo o papel de esteireiro. Batia esteira para ele derrubar o boi.

Bino era um negro forte, possuidor de um grande bigode, e essa imagem transmitia um aparência de brabo. O pessoal dizia que ele era meu “capanga”, mas, graças a Deus, nunca precisei dos seus “serviços”.

De brabo, ele só tinha a aparência.

Adotei uma pista de vaquejada existente na vizinha comunidade de Sitio e, sempre que podia, de tarde me mandava pra lá. A boiada, de tão acostumada, bastava soltar na estrada que ia direto para o “pátio”.

Vizinho ao pátio tinha uma bodega, que transformamos em nosso ponto de reunião e chamávamos o “Bar da Prefeita”. Marinete era o nome dela. Uma grande e gorda figura, que aguentava nossas brincadeiras. Só fazia rir.

Construímos um “puxadinho” e penduramos um fio com um “bocal de luz”, como diz o matuto, onde nós nos concentrávamos. Certa vez, quando Bino foi colocar a lâmpada, alguém falou: limpe o bocal primeiro!!! Bino meteu o dedo dentro do bocal e só não ficou “pregado” porque o seu peso foi suficiente para “torar” o fio.

O “Nego Bino” ficou branco de medo, e nós quase não parávamos de rir.

A PARTURIENTE

Numa dessas tardes, no melhor da brincadeira, chega um menino dizendo que a mulher que morava no final do pátio estava me chamando.

Imaginei logo, que boa coisa não era. Fui até a casa dela e simplesmente ela me disse que estava sentindo as dores do parto e queria que eu lhe levasse para Natal.

Falei: dá pra aguentar um pouquinho? Como ela disse que sim, voltei para a brincadeira e, simplesmente, me esqueci da mulher. Então, lá pras tantas, vem o menino de novo e diz: dotô Antonio a mulher tá dizendo que se o senhor não for logo, ela vai parir aqui mesmo.

Foi a viagem mais aperreada que fiz do Sítio para Natal. A mulher gemia e eu dizia: aguente aí. Você aprendeu a abrir as pernas, agora aprenda a fechar.

Chegando na maternidade procurei o meu amigo Iaperi Araújo, que era diretor de lá e, segundo ele me disse depois, só deu tempo da mulher chegar na sala de parto.

AS VAQUEJADAS

Às vezes, quando o bolso estava seco, e Bino me chamava para alguma vaquejada eu dizia que estava liso. Então ele falava “passe um cheque”.

Acho que ele se baseava no modelo de um prefeito lá de Serro Corá, que quando ganhava um prêmio, não queria aceitar o pagamento, caso o seu próprio cheque, que foi utilizado para a compra das senhas, fizesse parte do “bolo”.

Foi uma época em que os meus finais de semana viviam comprometidos, para andar pelo mundo das vaquejadas. Pagava a “folha” e partia.

Quando cuidei e parei para “dar um balanço”, concluí que o gado estava pela metade.

Mandei Bino de volta para Monte Alegre, vendi os cavalos e tirei o time de campo, ou melhor, do pátio.

A REPUBLICA INDEPENDENTE DO CAPIM

O meu amigo radioamador Álvaro Nunes, chamava a Fazenda Alvorada de “República Independente do Capim”.

Na época, o radioamadorismo em VHF estava no auge e, através do rádio, nos comunicávamos com a facilidade do atual celular. Minha estação era muito conhecida, pois eu conseguia muitas façanhas, por falar com colegas situados em pontos distantes, uma vez que o local tinha condições privilegiadas.

Foi um tempo em que recebia muitas visitas, ajudado pelo fato de que a propriedade era próxima a Natal e ficava no caminho de quem ia para as praias ao norte da capital.

Era uma festa permanente. Possuía quatro ou cinco frízeres, sempre abastecidos de camarão, peixes e até carne de jacaré, caças variadas, além de carne de gado e aves, que facilmente eram descongelados para atender as visitas.

Como eu era também muito conhecido no Município de Extremoz e Ceará Mirim, quando o pessoal não tinha o que fazer, ia fazer lá.

O REGIONAL DO CAPIM

Nas localidades do Capim e Sítio moravam Cioba, que tocava cavaquinho, Nazareno, tocador de trombone, pandeiristas e sanfoneiros que compunham a orquestra que eu chamava de “regional do Capim”.

Promovia as brincadeiras na fazenda e quando abusava da mesmice, colocava esse pessoal na carroceria da camionete e saía pelo mundo, tomando cachaça e visitando os amigos.

O CASAMENTO

Sempre, no interior, os proprietários de terras eram elevados à categoria de pessoas importantes e, a partir daí, passavam a ser convidados para padrinhos de batizados e casamentos.

Nessa onda, entre outros, fui convidado para ser padrinho de casamento de dois jovens da comunidade de Sítio, em Ceará Mirim, próxima a minha Fazenda Alvorada.

Ocorre que na véspera participei de uma festa em Natal e cheguei na fazenda de madrugada, depois de muito uísque.

Lembro que chovia muito e, nada melhor para uma boa dormida, do que o friozinho e o barulho da chuva.

O fato é que somente acordei com o noivo batendo na minha janela, uma vez que já não faltava mais que 30 minutos para a hora do casamento e tínhamos que enfrentar muitas poças d’agua entre a comunidade de Sítio e a cidade de Ceará Mirim.

Obviamente, chegamos atrasados.

PADRE RUI

Padre Rui era o famoso e respeitado capelão da paroquia de Nossa Senhora da Conceição, em Ceará Mirim. Diziam que, para ele, o dinheiro estava em primeiro lugar.

Não só diziam. Era verdade mesmo.

Vejam o aperreio que passei.

Como chegamos depois da hora marcada, já tinha passado o horário dos casamentos e o padre já estava batizando os meninos.

Fui lá junto à pia batismal conversar com o Padre Rui, mas, apesar dos meus argumentos com relação à chuva e a estrada, ele disse que não faria o casamento e que viesse na semana seguinte.

Já pensou?

Depois de muita luta, admitiu celebrar o casamento à tarde, quando voltasse de Rio do Fogo, o que não resolvia a situação.

Dizendo isso, se dirigiu para a Sacristia.

Foi então que me lembrei do grande argumento: DINHEIRO $$$$$.

Quando ele já estava lavando as mãos para partir, falei: Padre Rui, já adiantei as providências do pagamento com o sacristão e como ele não tem troco, fica pelo valor da nota.

Admitamos que o preço fosse 100,00 e a nota 500,00.

Foi a palavra mágica. O padre disse: cadê os noivos? Mande eles para o altar. Corri em busca dos nubentes, que mais que depressa estavam no altar, para o casamento que quase não acontecia.

Depois de tudo isso, respirei fundo.

Naquela época, casamento era coisa séria. Vieram parentes de tudo que foi canto, mataram um garrote, porco, galinhas, perús e a cerveja estava no gelo desde o dia anterior.

Imagina se tudo isso tivesse de ser cancelado? Eu me tornaria “persona non grata” na comunidade

Como Deus é grande e o amor de Padre Rui pelo dinheiro era verdadeiro, foi festão, e ainda por cima me elogiavam a todo momento, por ter conseguido “convencer” Padre Rui, conhecido pela sua ignorância e brutalidade.

Guardo boas lembranças da Fazenda Alvorada. Bons tempos aqueles.

 

Antônio José Ferreira de Melo – Economista – antoniojfm@gmail.com

 

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,1130 DÓLAR TURISMO: R$ 5,2810 EURO: R$ 5,5570 LIBRA: R$ 6,4920 PESO…

1 dia ago

Órgãos não têm como chegar ao RS e até 2,7 mil pessoas podem ficar sem transplantes

As inundações que atingiram o Rio Grande do Sul nas últimas três semanas tiraram, temporariamente, o…

1 dia ago

Caixa começa a pagar Bolsa Família de maio

A Caixa Econômica Federal começa a pagar a parcela de maio do novo Bolsa Família.…

1 dia ago

Brasil comemora retirada de Cuba da lista dos EUA sobre terrorismo

O Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil comemorou, em nota publicada nessa quinta-feira (16),…

1 dia ago

Taxa de alfabetização chega a 93% da população brasileira, revela IBGE

No Brasil, das 163 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 15 anos,…

1 dia ago

Dupla é flagrada fazendo manobras arriscadas com quadriciclo na BR-101

Duas pessoas foram flagradas fazendo manobras arriscadas com um quadriciclo na BR-101, na altura de…

1 dia ago

This website uses cookies.