COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DE DEZOITO – Antonio José Ferreira de Melo

COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DE DEZOITO

 

A HISTÓRIA

Por conta desse negócio de Facebook, me encontrei, virtualmente, com Tertuliano Pinheiro, e ele me traz à lembrança, recordações sobre Dezoito, e diz da necessidade de fazermos uma tertúlia, em homenagem a essa grande figura.

A história é a seguinte: durante um período, frequentamos, com as famílias, a pousada de Washington, na Praia de Cajueiro, próximo ao Farol do Calcanhar, que fica no Município de Touros.

Era uma turma “de bem com a vida”, e nos divertíamos pra valer.

Além de mim e Tertuliano, que já éramos quase sócios da pousada, lembro que faziam parte, embora em caráter eventual, Juscelino, que era gerente de um Banco, que não lembro o nome, Adelmo Cabeção, Arruda Fialho, Vicente Barbosa, e até Haroldo Azevedo, também esteve por lá.

UMA FIGURA CHAMADA DEZOITO

Um dos funcionários da casa tinha o apelido de DEZOITO.

Segundo contavam, a origem desse nome, foi por conta de que ele chegou em casa, com fome, e não encontrou comida.

Com raiva, quebrou dezoito panelas de barro, que a mãe dele tinha na cozinha.

Como a senhora sua mãe, ficava reclamando e contando a história das dezoito panelas, o povo da comunidade passou a lhe chamar de Dezoito Panelas, e que, depois, foi simplificado, ficando apenas como Dezoito.

Dezoito, tinha como característica, o costume de contar umas passagens exageradas, para não dizer mentirosas, a maioria, relativa a histórias de pescador.

No início apenas “dávamos corda” e ríamos com as “invenções” dele.

Depois, eu e Tertuliano, começamos, também, a contar fatos mentirosos, que deixavam as histórias de Dezoito iguais as histórias da carochinha.

Ou seja, na frente dos nossos, os contos de Dezoito tornavam-se “fichinhas”.

A ARRAIA JAMANTA

Num dos seus relatos, ele contou, que o pessoal de um barco de pesca, fisgou uma arraia Jamanta – que é a maior arraia do mar – e ela era tão grande, que os pescadores não conseguiram botá-la pra cima do convés.

Então eu falei que maior do que essa foi uma jamanta que o pessoal de Pitangui tinha fisgado.

Ela não somente não deixou que fosse colocada em cima do barco, como saiu puxando a embarcação, que acelerava o motor em sentido contrário, mas não conseguia puxar a arraia.

Foi quando o pessoal pediu socorro a um barco que ia passando e os dois puxavam a arraia, porém não conseguiam vencer a força da bicha.

E assim, mais três barcos foram engatados e, apesar dos motores funcionando, no máximo, a arraia saiu puxando os cinco botes, e foi parar na África.

Dezoito repetia “nhen, nhen”, que a gente entendia como sendo uma expressão de descrédito, mas fazíamos de conta, que não víamos.

O GADO QUE SE ENGANCHAVA NA MATA

Certa vez, vindo da minha Fazenda Umbuzeiro, para passar o fim de semana na pousada, me atrasei, e ao chegar fui logo questionado, por ele, sobre o porquê de ter chegado tão tarde.

Como eu criava gado guzerá, falei que tinha comprado um lote de vacas, e elas estavam com problemas para andar na mata.

Dezoito pergunta quais seriam os problemas e eu disse que elas tinham os chifres tão grandes que se enganchavam nos galhos das arvores.

Ele questiona, para saber como resolvi esse problema, e eu disse que somente tinha chegado àquela hora, porque durante todo o dia, minha ocupação, juntamente com os dez empregados da fazenda, foi desenganchar gado.

Diante disso, resolvi cortar os chifres das vacas.

Ele olhava desconfiado e dizia “nhen, nhen”.

O MERGULHADOR

Dezoito contava que Neném, lá da Praia de Cajueiro, era um mergulhador que tinha muito folego.

Muitas vezes, ele dispensava o barco e saia pescando lagosta sozinho.

Pegava um grande saco e, na base do mergulho, ia até o alto mar recolhendo as lagostas que encontrava no caminho de ida e volta.

Sem poder “ficar pra trás”, falei que Marquinhos Borboleta, um amigo meu que veraneava em Muriu, quando era mais moço, também tinha muito folego.

Uma vez, marcou pra se encontrar com João Galinha, em Natal, num final de sábado.

A mulher dele, que não queria que ele saísse de Muriu, escondeu a chave do carro, e não teve jeito de lhe entregar.

Como Marquinho não era de faltar com a palavra e tinha assumido o compromisso, esgotadas as possibilidades de conseguir a chave do carro, “caiu” no mar de Muriu, e, mergulhando, foi até Natal, se encontrar com o pessoal.

Fazendo de conta que não estava vendo a cara de descrédito de Dezoito, fui pegar mais uma cerveja.

O BARCO QUE AFUNDOU

Quando ele contou que uma embarcação tinha afundado e os pescadores nadaram a noite toda e foram parar numa praia do Ceará, nós dissemos que conhecíamos uns pescadores de Maxaranguape, que o bote afundou e eles passaram três dias e três noites nadando e foram socorridos por um barco da Marinha, na costa do Estado do Maranhão, já próximo ao Estado do Pará.

Não precisa mais falar na cara dele.

O BARCO SEM VELA E A SEDE DO PESCADOR

Nessa história de Dezoito, o barco de pesca enfrentou uma grande tempestade e, graças a Deus, não afundou, mas quebrou o mastro e ficou à deriva.

Com os balanços da tempestade, toda a comida e a agua, foram jogados pra fora do barco.

Com relação a comida, os quatro tripulantes encontraram alguns anzóis nas cavernas do barco, e também restos de iscas, e conseguiram algum pescado, que comeram cru.

O problema era a falta de agua doce.

Depois de dois dias perdidos no mar, dizia Dezoito, que o pessoal, para matar a sede, chupava uns pedaços de corda. Isso, provocava a formação de saliva e, assim, eles resolviam o problema da falta de agua doce.

Não sabíamos se essa teoria era verdadeira, mas foi quando tivemos uma certa dificuldade de inventar coisa maior.

Porém, não restando outra alternativa, Tertuliano teve a feliz ideia de contar uma história semelhante, cujo final era o pessoal do barco, bebendo a própria urina.

Dessa vez, era a cara de repugnância de Dezoito.

A MORTE NA CASA DE JOGO

Dezoito contou que passou um tempo trabalhando numa casa de jogo de baralho, e certa noite, um cara que tinha comido um determinado peixe, que era venenoso, teve uma grande disenteria.

Não conseguindo evitar, soltou, uma enorme “bufa”, dentro de um dos quartos da “baiuca”.

Segundo ele, a dita cuja saiu correndo pelo pé da parede e um cara que vinha chegando, respirou a catinga e caiu morto, ali mesmo.

Não tivemos como superar a “bufa” de Dezoito, e “deixamos por isso mesmo”.

A DESPEDIDA DE DEZOITO

Como Washington vendeu a pousada para uns gringos, não fomos mais por lá e perdemos o contato com Dezoito.

Porém, tempos depois, indo para São Miguel do Gostoso e passando por Cajueiro, resolvi procurar o nosso contador de histórias.

Encontrei-o deitado numa rede, reclamando de muitas dores, muito magro, com um câncer e em estado terminal.

Mesmo assim, ainda consegui conversar com ele, e até fazer com que risse com as minhas brincadeiras.

Deixei um dinheiro, para que a senhora que tomava conta dele, fizesse uma feira, e saí triste, por vê-lo naquela situação.

Foi a última vez que vi Dezoito.

 

 

Antônio José Ferreira de Melo – Economista – antoniojfm@gmail.com

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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