COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DA VIDA COMO ELA É – Antonio José Ferreira de Melo

COISAS QUE EU VI, OUVI OU VIVI: COISAS DA VIDA COMO ELA É –

Nos meus tempos de infância, aprendi que tudo era bom, porque não existiam dificuldades de relacionamento, não faltava comida, escola e nem divertimento.

A membros da minha família ajudavam uns aos outros, e, nem com a morte, eles se preocupavam.

A gente só pensava mesmo era em viver.

Na verdade, parecia que tudo era eterno.

Meu pai era um homem trabalhador e justo.

Minha mãe, gostava de ajudar àqueles que ela considerava mais necessitados.

Nós, os filhos, aprendemos que ninguém era “coitado” e, também, que todos tinham que ser tratados de forma igual.

Escutando, desde criança, muitas coisas sobre o comportamento humano, concluí, desde cedo, que, simplesmente, A VIDA É COMO ELA É, e a gente tem que ir se amoldando para melhor viver, encontrando a melhor forma para superar os obstáculos que nos são apresentados, sem achar que Deus está nos penalizando.

 

O FILÓSOFO EXPEDITO

Já adulto, proprietário da Fazenda Alvorada, eu OUVI, de Expedito, um empregado meu, de pouco saber escolar, que, o que era bom para uns, era ruim para outros, porque se fosse tudo igual, não dava certo.

Ele me dizia: “Dotô” Antonio, A VIDA É COMO ELA É, e, para viver bem, depende da maneira que cada um olha pra ela.

Continuando, ele fundamentava suas conclusões: antigamente, no Seridó onde nasci e vivi até “tomá corpo de homi”, tudo era resolvido pela “coisa que Deus mandava”: A chuva, que resultava na fartura.

Ele contava, que quando do prenúncio do inverno, começavam as providencias para a sua chegada.

O gado gordo, com o “restolho” do algodão, tinha sido vendido, o sertanejo “tava” com dinheiro no bolso, tinha cumprido todas as promessas feitas para o ano anterior, e tinha guardando as sementes do algodão, do milho e do feijão para o próximo plantio.

As devoções ao “Padrim Pade Cisso”, tinham sido cumpridas, enfim, era um homem “liberto” de seus compromissos de fé.

Só tinha esperanças!!!

O NOVO ANO

Lá vem um outro ano.

É rezar para que a chuva chegue no tempo e na quantidade certa.

Não havia necessidade de “benção” do governo, pois o matuto “sabia como se resolver”.

Chegava a chuva e a esperança de novos dias.

O matuto plantava os caroços e via eles nascendo.

A RIQUEZA DO SERTÃO

Expedito dizia que o “ALGODÃO MOCÓ”, era quem trazia a riqueza para o sertão do nosso estado.

Era o algodão de fibra longa, espécie que só se encontrava no Rio Grande do Norte, na região do Seridó, sendo chamado também de ALGODÃO SERIDÓ.

Dentre as teorias sobre a sua origem, tem-se como mais evidente, aquela que afirma ser um cultivar originário dessa região, cujas fibras já eram utilizadas pelos indígenas, para confecção de vestimentas e redes, antes da chegada dos portugueses.

Registros da sua existência, datam do ano de 1860, quando várias plantas foram encontrados na localidade de “Olho D’agua da Siriema”, no Município de Acari, e a denominação de “mocó”, se deve à semelhança do seu caroço com as fezes de um roedor existente na região, que tem esse nome.

O algodão “mocó”, como possui característica arbustiva, também desenvolveu um sistema radicular profundo, e não precisava ser plantado a cada ano.

Além do mais, os pés de algodão, após a safra, serviam de pasto para o rebanho bovino, vindo daí, sua importância, também, para a expansão da pecuária, no semiárido.

Diferentemente do Seridó, no restante do Nordeste, imperava o “ALGODÃO VERDÃO”, com fibras menores e consequentemente de menor valor.

O matuto do Seridó não dependia de nada daqui da terra. Tinha a sua semente e só dependia de Deus.

Dizia Expedito.

A MUDANÇA

Na conversa, Expedito diz, que a coisa mudou para pior, quando os fazendeiros resolveram começar a mandar os seus filhos para fora das fazendas, pra estudar na sede do Município e até na Capital.

Pra que? Questionava Expedito. “Num tava” tudo tão bem organizado? Os meninos e as meninas “num” sabiam cuidar dos roçados?

Mas não. Botaram na cabeça que agora os filhos tinham que estudar na cidade, para não ter o mesmo destino dos pais.

Precisavam ser “dotô”.

E agora? Para isso, necessitavam de mais dinheiro.

OUVI Expedito dizer: O “homi” é assim. Com ambição e sem controle.

Parece que não sabe como a vida é.

 

OS BANCOS E A GANÂNCIA

Pela necessidade de mais dinheiro, apareceram os Bancos para financiar a produção agrícola.

O nosso “ALGODÃO MOCÓ”, o “rei da fibra longa”, e mais demorado no seu desenvolvimento, teve que conviver com o “ALGODÃO VERDÃO” que era mais rápido para produzir.

Sabe qual era a justificativa de plantar o “ALGODÃO VERDÃO”? Provocava ele.

Ter que pagar o compromisso do empréstimo feito no banco.

O “ALGODÃO VERDÃO” passou a se chamar “rasga promissória”. Ele chegava mais cedo e garantia o pagamento da dívida.

Dizem os entendidos: foi bom para a economia financeira, mas foi desastroso para a economia rural, pelas consequências genéticas.

O “ALGODÃO VERDÃO” cruzou com o “ALGODÃO MOCÓ”, acabando com o Algodão Rei do Seridó, que virou plebeu, perdendo suas nobres características.

Suas fibras encurtaram, como se fosse castigado, pagando pela ganância dos produtores rurais, que empobreciam.

Falam que foi o “bicudo” que acabou com o algodão do Nordeste. Foi não, dizia ele. O bicudo não aguentou o nosso calorão, e aqui não conseguiu se “assituar”.

Se essa conversa fosse hoje, Expedito ia dizer. Dotô, se o bicudo que era um besouro grande não se “assituou”, avalie esse tal de “coronavírus” que ninguém nem vê ele.

Pode vir chinês “em banda de lata”, que eu “num tô” nem ligando. Esse bicho também não vai se “assituar” por aqui. Diria.

Voltando ao algodão, e partindo das observações de expedito, a realidade é que, quem acabou com a nossa cultura algodoeira, foi o fato de que o Nordeste não teve condições de concorrer, inicialmente com São Paulo, e depois, com o Centro Oeste, que utilizam semente selecionada, adubação, mecanização, irrigação, enfim, alta tecnologia.

Não deu mesmo, foi pra concorrer com a alta produtividade.

AS FAZENDAS DAQUELA ÉPOCA

OUVI Expedito dizer que antigamente, as fazendas eram cheias de casas de morador e “os olhos dos donos engordavam o boi”, pela constante observação e pela adoção, a tempo, das necessárias providências.

Ele falava que, como consequência do empobrecimento, os fazendeiros abandonaram as fazendas para morar nas cidades, e o abandono alterou o sistema de administração, pois, à distância, não dava pra ver suas “posses”.

Por conta disso, todos foram empobrecendo.

Expedito atestava. Falam que essa mudança foi por conta das secas, mas não é verdade. Só a roubalheira dos políticos, é que se aproveita delas.

As secas vem de muito tempo e os proprietários arrumavam como fazer reserva de agua e sempre tinham dinheiro guardado, para os anos de pouca produção.

O Governo, até inventou o DNOCS, que era o DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS, que mesmo com a boa intenção, teve suas incoerências, começando por ser “contra as secas”, um fenômeno da natureza, que ele não podia evitar.

De certa forma, o sertanejo já sabia como conviver com o problema. Porém, agora, sem dinheiro, não tinha como enfrentar os períodos mais difíceis.

Ouvindo essas conversas, eu era obrigado a dizer que expedito tinha razão.

O problema foi mesmo econômico. Não foi climático.

Segundo ele, mais pra frente do tempo, os moradores também tiveram que se mudar para as cidades, pois, como não tinha mais produção, também não tinha mais emprego.

Aí, provam as estatísticas. Houve a inversão da situação, com a população rural decrescendo, enquanto cresciam as populações urbanas.

Na década de 1940 a população rural do Nordeste já correspondia a 26,87% e a urbana a 73,13%.

AS LEIS

Contava Expedito que aqueles que ficavam nas fazendas se tornavam um perigo, e, portanto, quando uma casa era desocupada, o dono mandava logo derrubar “a morada”, para não acomodar outro e depois ter que pagar os seus direitos, adquiridos com o tempo.

E eu pergunto: porque isso Expedito?

Ele fala: Dotô, é por causa das “Lei”.

Como assim? Digo eu. A lei não é para organizar o relacionamento com o patrão e proteger o empregado?

Não. Diz ele. O empregado ficou com mais direitos que o patrão e quando vai se “aviciando” na terra alheia, quer ser o dono da fazenda.

E fala: o empregado, que antigamente era um amigo irmão, depois das “Lei”, passou a ser um inimigo.

Não é que Expedito tem razão?

Para finalizar, veja o que OUVI dele.

Dotô, os “homi” precisam tomar “tenênça”, pois a história é essa: “A VIDA É COMO ELA É”.

Ainda me lembro da figura de Expedito, indo em direção à sua casa, quando saiu da nossa conversa.

Com o seu passo cadenciado, cantarolava a música “chuva de honestidade”:

 

Quando o ronco feroz do carro pipa

Cobre a força do aboio do vaqueiro

Quando o gado berrando no terreiro

Se despede da vida do peão

Quando verde eu procuro pelo chão

Não encontro mais nem mandacaru

Dá tristeza ter que viver no sul

Pra morrer de saudades do sertão

 

Eu sei que a chuva é pouca e que o chão é quente

Mas tem mão boba enganando a gente

Secando o verde da irrigação

Não, eu não quero enchentes de caridade

Eu só quero chuva de honestidade

Molhando as terras do meu sertão

 

Eu pensei que tivesse resolvida

Essa forma de vida tão medonha

Mas ainda me mata de vergonha

Os currais, coronéis e suas cercas

Eu pensei nunca mais sofrer da seca

No nordeste do século vinte e um

Onde até o voo troncho de um anum

Fez progressos e teve evolução

 

Eu sei que a chuva é pouca e que o chão é quente

Mas tem mão boba enganando a gente

Secando o verde da irrigação

Não, eu não quero enchentes de caridade

Só quero chuva de honestidade

Molhando as terras do meu sertão

 

Israel é mais seco que o nordeste

No entanto se investe de fartura

Dando força total a agricultura

Faz brotar folha verde no deserto

Dá pra ver que o desmando aqui é certo

Sobra voto, mas, falta competência

Pra tirar das cacimbas da ciência

Água doce que serve a plantação

 

Eu sei que a chuva é pouca e que o chão é quente

Mas, tem mão boba enganando a gente

Secando o verde da irrigação

Não, eu não quero enchentes de caridade

Só quero chuva de honestidade

Molhando as terras do meu sertão

 

 

Antônio José Ferreira de Melo – Economista, antoniojfm@gmail.com

 

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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