CASO AMANHÃ EU NÃO ESTEJA AQUI: UMA MEDITAÇÃO SOBRE A EXISTÊNCIA, O TEMPO E O SENTIDO – Raimundo Mendes Alves

CASO AMANHÃ EU NÃO ESTEJA AQUI: UMA MEDITAÇÃO SOBRE A EXISTÊNCIA, O TEMPO E O SENTIDO –

Sempre acreditei que a vida se revela menos nos grandes eventos e mais nos detalhes silenciosos, no breve intervalo entre um pensamento e outro, no gesto que quase passa despercebido, na palavra que poderia ter sido dita — mas não foi. A frase “caso amanhã eu não esteja aqui” não desperta apenas saudade antecipada; desperta filosofia. Ela nos coloca diante de nossa própria condição: finitos, vulneráveis, passageiros. A verdade é que vivemos como se fôssemos perenes, como se cada amanhecer estivesse assegurado por algum tipo de contrato cósmico. Mas não há garantias na existência. Há apenas o instante: este agora que pulsa, insiste, suplica para ser vivido com mais lucidez.

1. A impermanência como mestra

Filósofos, desde Heráclito, nos lembram que tudo flui: nada permanece, tudo escorre pelos dedos como água. E, ainda assim, insistimos em tratar a vida como se fosse rocha — quando, na verdade, ela é rio. A impermanência não é crueldade. É convite. Ela nos ensina a olhar para cada encontro como único, para cada abraço como irrepetível, para cada pessoa como um universo que pode se apagar a qualquer momento. Se amanhã eu não estiver aqui, que hoje eu tenha compreendido a profundidade desse instante que me foi concedido.

2. O tempo: esse juiz silencioso

O tempo não discute, não avisa, não negocia. Ele apenas cumpre sua natureza: avançar. E é justamente por isso que ele nos obriga à consciência. O amanhã é uma possibilidade — bela, desejável — mas jamais uma promessa. A reflexão filosófica nos leva a uma pergunta incômoda: estamos vivendo o hoje como quem sabe da fragilidade do depois? Ou estamos distraídos, hipnotizados pelas urgências triviais, enquanto o essencial nos escapa como vento?

3. O legado que deixamos não cabe em objetos

Se amanhã eu não estiver aqui, não deixarão saudade as horas de trabalho em excesso, a pressa, a discussão tola ou o orgulho mantido. O que perdura não é material — é ético, afetivo, humano. Permanece:

– o bem que fiz,
– a palavra que levantou,
– a mão estendida,
– a honestidade no escuro,
– o respeito às pessoas,
– o amor oferecido sem cálculo.

O legado verdadeiro não se escreve com posses, mas com presença moral.

4. O que ainda não vivemos por medo, por pressa ou por orgulho

A filosofia nos cobra coerência entre o que sabemos e o que fazemos. Sabemos que a vida é breve, mas continuamos adiando:

– o perdão que liberta,
– a conversa que cura,
– a coragem de mudar,
– o amor que empurra para frente,
– a gentileza que transforma,
– o cuidado com quem importa.

O amanhã pode não existir. Mas o arrependimento, se vier, será sempre filho do “depois”.

5. A coragem de estar presente

Estar presente é um ato de filosofia prática. É a mais profunda afirmação de existência. Quando estou presente — de verdade — não sou refém da pressa, dos ruídos, das distrações. Sou autor da minha própria consciência. Se amanhã eu não estiver aqui, que hoje eu tenha vivido com intensidade suficiente para que minha ausência não seja apenas falta, mas também lembrança boa, palavra que ficou, gesto que marcou, luz que tocou alguém.

6. O sentido da vida se esconde na simplicidade

O sentido não está nos grandes feitos; está no modo como olhamos o mundo, no modo como tratamos as pessoas, no esforço de deixar o dia de alguém um pouco melhor, na gentileza que ninguém vê, mas Deus vê. Se amanhã eu não estiver aqui, desejo que hoje eu tenha sido coerente com meus valores — porque são eles que me escrevem no tempo.

Portanto, a frase “caso amanhã eu não esteja aqui” não é um lamento: é uma convocação filosófica para viver com autenticidade, propósito e presença. É o lembrete de que a vida é sutil, breve e, ao mesmo tempo, grandiosa. É o convite para olhar as pessoas com mais humanidade e a nós mesmos com mais verdade. Se amanhã eu não estiver aqui, que meus passos deixem sentido. Que meus gestos deixem paz. Que minha vida tenha sido, ao menos para alguns, um sopro de luz no meio do caminho. Porque o tempo passa. Mas o bem — o bem sempre permanece.

 

 

 

Raimundo Mendes Alves – Advogado, vereador em São Gonçalo do Amarante-RN

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
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