Artigo: Ivan Lira de Carvalho

ESCOLHA O VOCÁBULO ADEQUADO! –

Tempos de alta no preço do agave (para os puristas, “da” agave). A pequena cidade lotava-se de caminhões conduzindo fardos de fios para acondicionamento breve nos armazéns, após pesagem e pagamento aos agricultores e desfibradores. Dali seguiriam, dias adiante, para as indústrias de primeiro beneficiamento, com sede na capital do Estado, saltando depois para o mercado internacional.

O dinheiro corria frouxo. Matuto trocava o jegue por caminhoneta novinha.  A estética cigana seduzia os simplórios, que corriam ao dentista para colocar prótese com partes visíveis de ouro, merecendo o epíteto de “boca rica”, a vaidade estampada a cada sorriso.

Em paralelo aos abastados, humildes trabalhadores que apoiavam a florescente economia com o muque e o suor do rosto: puxadores, cambiteiros, cordeiros e cabeceiros. Em outra ocasião explicarei o que cada um fazia…

No dia da feira-livre os cabeceiros recebiam o soldo semanal. Partiam a grana de modo a sobrar uns vinténs para a cachacinha. Inácio, um desses trabalhadores, sempre  errava a divisão e aplicava mais na birita do que nos alimentos, para o desgosto de Neném, mãe dos seus oito filhos. Tanto que a mulher deu em beber também. A cada semana era um porre duplo. Frequentavam botecos diferentes, mas quando em vez se encontravam e o trato não era amistoso. “Gastando todo o dinheiro  da feira com cana…”, reclamava ela. “Bebendo na rua e deixando os meninos sozinhos em casa…”, retrucava ele. Ambos aos gritos!

O retorno ao lar, ao fim da tarde, também era traumático. Cambaleantes, atravessavam a cidade brigando, em xingamentos recíprocos que chamavam a atenção dos transeuntes e dos parados. Uma coleção de palavrões. Certa feita Inácio não teve como contra-argumentar a uma das desfeitas de Neném e apelou: “Vá tomar no c…”. De pronto  veio a resposta: “Vá tomar no c… você! Eu tenho lugar ‘propre’…!”, espichando a pronúncia  da corruptela de “próprio”, ao tempo em que apontava para a genitália.

A vaia comeu no centro!

Inácio fez  o resto do caminho em silêncio. Na sua simplicidade, reconheceu haver desatendido ao “princípio da adequação das palavras”. E dos lugares.

Ivan Lira de CarvalhoProfessor da UFRN e Juiz Federal

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,1130 DÓLAR TURISMO: R$ 5,2810 EURO: R$ 5,5570 LIBRA: R$ 6,4920 PESO…

2 dias ago

Órgãos não têm como chegar ao RS e até 2,7 mil pessoas podem ficar sem transplantes

As inundações que atingiram o Rio Grande do Sul nas últimas três semanas tiraram, temporariamente, o…

2 dias ago

Caixa começa a pagar Bolsa Família de maio

A Caixa Econômica Federal começa a pagar a parcela de maio do novo Bolsa Família.…

2 dias ago

Brasil comemora retirada de Cuba da lista dos EUA sobre terrorismo

O Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil comemorou, em nota publicada nessa quinta-feira (16),…

2 dias ago

Taxa de alfabetização chega a 93% da população brasileira, revela IBGE

No Brasil, das 163 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 15 anos,…

2 dias ago

Dupla é flagrada fazendo manobras arriscadas com quadriciclo na BR-101

Duas pessoas foram flagradas fazendo manobras arriscadas com um quadriciclo na BR-101, na altura de…

2 dias ago

This website uses cookies.