Carlos Alberto Josuá Costa

Numa feira livre, no tempo de cada um…

Esse fenômeno econômico, chamado de feira, já era conhecido dos Gregos e Romanos. Tornaram-se importantes a partir da revolução comercial do século XI e se expandiram com regras definida (as primeiras) no século XII.

No Brasil, existem desde o tempo da colônia e apesar de hoje, com tantas redes comerciais concorrentes, não desapareceram.

Aliás, é muito bom ir a uma feira livre, lá não existem segregação, nem cotas sociais, todos se envolvem com a magia, os sons, os movimentos, as cores, a diversidade de pensamentos de forma harmoniosa.

Cada feirante desempenha seu papel de fazer inveja aos espetáculos teatrais, cada um com sua história e com suas estórias.

A feira sempre foi e é encantadora. Seus artistas amadores, hoje em menor escala, eram chamarizes da cultura popular.

Lá, o mágico das cartas desdobrava sequencias para o deleite dos apreciadores, cantador de viola rebuscavam as notas musicais pra não sair do compasso, vendedor de remédios caseiros para todas as mazelas, cordelistas discorrendo Camonge, Bocage e Lampião, enfim um grande espetáculo!

Um microfone envolvido por uma flanela vermelha ou amarela, pendurado no pescoço por uma haste metálica, era demais!

Vamos ouvi-los:

“Seu José cuidado com o pé / Seu João cuidado com a mão / Seu Francisco, vou passar um risco / Seu Gaspar, daqui não pode passar”. Era a disputa entre o cavaleiro do bem e do mal, decantada pelo poeta do povo.

“Bom dia seu Pedro? Tem manteiga Borboleta?” Só tem Aviação. “Pese uma quarta”.

“Coloque dois litros de querosene Jacaré, pra botar na geladeira (calma, é que as geladeiras eram a querosene – e gelavam direitinho, não era Nássaro Nasser?!)”

“Leve, leve, é bater e valer: basta tomar uma colher de sopa diluída em meia caneca com água ‘durmida’, que esse menino vai botar verme até amanhecer”.

“Aposte, aposte que a roleta vai rodar!” “Vermelho 27, é seu dia de sorte, vai de novo”?

“Dona, vai levar Camboim hoje? Só tem esse restinho, dá um suco bem gostoso. Leve tudo por cinco”.

“Compre três vidrinhos e pague dois, serve para unha encravada, olho com remela, dor de saída (reto), repuxo na perna, canseira de cama, espinhela caída e regra atrasada”.

Serve pra nó na tripa? “Para isso só específico Coelho. Você encontra ali na farmácia de Seu Bridenor Trigueiro. Fale lá com Costinha que ele deixa você desatado”.

E pra tosse de menino buchudo, serve? “Também não, isso só alivia com xarope Bromil. Procure Roberto lá na farmácia de Seu Paulo Holanda. Com uns quatro vidros ele fica bonzinho ou então vira um formigueiro”.

E elemento pra rádio? “Aí amigo você tá me confundindo. Eu só vendo óleo de Tijuaçu e raspa de mocotó de Peba. Mas vá até a loja de Seu Ranilson Costa, que tem de tudo – menos esse óleo que eu vendo e cura até homem tinhoso”.

E cura também anja mijona? “Saia já daqui cabra safado. Tá pensando que tou brincando”.

Moço pode me dizer onde falo com o padre? “Agora pronto! Vou mudar de ofício, vou deixar de ser representante de remédios caseiros para ser informante consultor. Sei não dona, eu não sou daqui, mas fale com Edilsa, filha de Geraldo Pinheiro, do cartório, que é ‘batata’”.

E moça bonita tem? “Ai meu Deus, tão tirando minha paciência!” “Andei observando algumas, mas não diga que eu disse: Socorro de Da. Lalú, Odileia, Betalice, Dulcineia, Celeste, Ângela, Vera Lúcia, Cacilda e outras que agora não me lembro”. “Cuidado”! “Os pais delas são brabos”. Mas pergunte a Osair, Pabel, Hélio, Valério, Heriberto, Robinson, Edilson, Beto ou Macedinho, que eles estão atualizados.

Claro que você tá lembrando-se de muito mais “coisas” da sua feira predileta. Em qualquer lugar e de qualquer tamanho, a feira é mágica, para qualquer um de nós.

Meu fraco era o carrinho forrado com folha de zinco, que vendia “raspadinha de gelo”, eu me transformava, ou melhor, me abestalhava.  Uma delícia, – levava o calor para longe. A barra de gelo enrolada numa estopa, com pó de serra, era carcomida por uma lâmina acoplada num suporte de madeira, abrindo ranhuras e soltando raspas que eram colocadas num copo junto com o xarope do sabor escolhido. Era só servir e, gole a gole, ser feliz!

Cada garrafa um xarope diferente (coco, groselha, cajá, limão…) onde se debruçavam as cores do arco-íris. Era hipnotizante ver cada “sabor” transformado em “neve” colorida.

O tempo não passava ao admirar aquele arco-íris gelado sendo preparado com maestria.

Hoje entendo perfeitamente quando dizem que no extremo do arco-íris se encontra um tesouro. Sim, um tesouro diferente para cada sonho que carregamos. Cada cor uma esperança. O arco formado pelo arco-íris, nos mostra que podemos dar saltos gigantescos sobre os obstáculos da vida e encontrar na outra extremidade um novo horizonte.

Abençoa Senhor, aqueles que ainda hoje se colocam no palco da vida em seus camarotes (barracas), transformando verduras, frutas, cereais, carnes, peixes, raízes medicinais, mangaios, vestimentas, artefatos de barro e outros, na esperança de um mundo melhor.

Sejamos simples, mas completos em diversidades como nesse grande espetáculo, que é a feira livre.

Alguém aponta para o céu e com um sorriso no coração instintivamente diz: É um arco-íris!

Vai querer balaio aí dona?

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil e Consultor (josuacosta@uol.com.br)

 

 

Ponto de Vista

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