A MINHA AMIZADE COM A CANTORA GLORINHA OLIVEIRA – Gutenberg Costa

A MINHA AMIZADE COM A CANTORA GLORINHA OLIVEIRA –

Quem me conhece sabe, que sempre gostei de boa música e frequentar ambientes musicais em Natal. Eu, menino pobre e demasiado curioso, gostava de me cercar de quem sabia das coisas boas do passado. As ouvias e anotava tudo em velhos cadernos e agendas. Sábios ensinamentos e dicas musicais. Já disse que tive vários mestres musicais, entre eles, Gumercindo Saraiva, Grácio Barbalho e Chico Elion. Este último citado, quando era proprietário do saudoso e famoso Bar ‘Beco da Música’, em sua casa de morada da Avenida Alexandrino de Alencar era meu patrão, amigo e até conselheiro musical. Nem preciso dizer lhes, que estes três mestres, em nossas conversas, elogiavam e muito a voz da nossa conterrânea cantora Glorinha Oliveira. Viviam sempre me advertindo de que eu tinha que conhecer pessoalmente uma mulher encantadora e educadíssima, nascida no bairro das Rocas, em 27 de novembro de 1925, mesmo ano de nascimento de minha mãe.

Fui ver de perto e frequentar a sua casa bar ‘Beco da Glória’, nas proximidades da ladeira do sol e caminho da praia dos artistas. Dali recolhi muitas lembranças, que estão relatadas em nosso recente livro, ‘Breviário Etílico, Gastronômico e Sentimental da Cidade do Natal, 2019. E a amizade de Glorinha passa de mãe pra filho. E o amigo Aécio Queiróz, que acompanha sua amada mãe em todos os eventos, desde os anos 90, do século passado, se fazem presentes em meus lançamentos de livros. E eu como amigo e fã de Glorinha, vou as suas apresentações musicais, homenagens e lançamentos de discos e Cds. O seu filho, Aécio, passa a ser um grande companheiro de boemias e conversas. O sobrinho de Glorinha Emanuel Caruara, trabalhou comigo na mesma empresa e desse modo, formávamos um trio, onde eu só ouvia a dupla tocar instrumentos e cantarem sambas antológicos que iam de Noel Rosa a Lupicínio Rodrigues. Histórias, que ao lembrá-las, me causam risos e choros… hoje o gordo, alto e brincalhão Emanuel, como a Glorinha, estão no céu dos bons e alegres, que só deixaram amizades nesta terra, quase repleta de discórdias e egoísmos.

Quando estive a frente da banda carnavalesca, ‘Antigos Carnavais’, logo a convoquei para duas justas homenagens. E por amizade a mesma aceitou com alegria. Em um ano a mesma foi a nossa madrinha, desfilando, da Cidade Alta a velha Ribeira, em carro aberto, toda alegre acenando para o povo folião. Ganhou faixa, beijos e carinhos de seus fãs. Apesar da idade e agito momesco, nada reclamou daquela noite. Encontrou-se no caminho com Dosinho e outros velhos amigos, durante o festivo percurso do frevo popular de rua. Depois a mesma recebeu uma linda homenagem nossa, quando foi agraciada com o ‘disco de ouro’, juntamente com os nomes de Fernando Towar e Jarbas do Acordeon. Na ocasião, Glorinha estava beirando seus 90 anos, mas, lúcida e alegre cantou divinamente para os foliões da nossa Banda, a canção ‘Bandeira Branca’, composição imortalizada na voz de outra grande voz brasileira, a saudosa Dalva de Oliveira. Ao final da dita homenagem, agradeceu e emocionou-se. A festança foi no bar de Zé Reeira, no centro da Cidade Alta. Bandeira Branca, amor, eu peço paz…

Passou o tempo, como tudo passa nessa vida cotidiana tão agitada e sem memória. A citada banda ‘Antigos Carnavais’, com 15 anos de desfiles, saiu lamentavelmente de cena. Um escândalo histórico, para ninguém contar a mãe do Bispo! Eu, aposentei-me e depois de chutado o balde, vim morar em minha ‘passargada’ Nísia Floresta. Casa nova e novo viver em paz e com a natureza de perto. E eis que em um domingo de 2017, a amiga Glorinha, vem almoçar conosco, sempre bem acompanhada de seu fiel escudeiro filho Aécio. Entrou sorrindo em nossa morada e bastante emocionada quando ouviu sua própria voz, transmitida pelas caixas de som de minha radiola, rodando um de seus elepês. Almoçou e conversou bastante. Foi fotografada e até filmada pelas novas tecnologias, que infelizmente, logo desaparecem de nossos aparelhos passageiros. Ficou de voltar outras oportunidades, o que não foi possível, mas aqui deixou o seu santo rastro e boas lembranças para o velho amigo e em meus familiares.

E para encerrar essa emotiva missiva, lembro de um destes causos, que a mesma me contara aos risos: quando ela morava no bairro de Santos Reis, aos finais de semana, seu filho Aécio, ia costumeiramente buscá-la as noites e só vinha deixa-la depois de suas apresentações e shows quase ao amanhecer do dia. Nesse vai e vem noturno, uma das vizinhas, que antigamente eram chamadas de ‘brecheiras’ ou ‘candinhas’, ficava a espreita, acordada, para testemunhar as ‘noitadas’ de sua vizinha, dona Glorinha, uma senhora muito elegante e risonha, de certa idade, que entrava sempre no automóvel de um homem mais jovem, com idade de ser seu filho ou neto. E diga-se, uma pouca vergonha para os padrões morais ainda vigentes na Natal pacata do século XX. O que a vizinha fofoqueira de plantão da vida alheia, de Santos Reis, não sabia, era que aquele jovem motorista se tratava de um filho amoroso. Glorinha, mãe artista e Aécio, filho, também artista. Unidos, como poucos que conheço em vida. Um raro exemplo de amor filial e materno nesse mundo tão desumano, em que milhares de mães e pais, são abandonados em abrigos. Dizem que poucos tem a felicidade na vida, de ter filhos atenciosos e se livrar de fofocas e vizinhos ruins…

Glorinha sempre prestigiou os amigos e artistas locais. Gravou músicas de muitos, entre eles, Nélson Hermógenes Freire e Babal Galvão. E fiquem certo, meus leitores e leitoras, que minha amiga estará sempre viva aqui em casa. Vivíssima, quando revirar o meu baú das velhas fotografias, dos meus discos e Cds guardados e nas recordações das grandes amizades, que em vida, me visitaram!

Hoje, depois de seu encantamento, só me resta lembrar de suas estridentes e saudosas gargalhadas. De suas memórias e causos contados ao longo de mais de três décadas… e viva para sempre a nossa diva e patrimônio musical feminino do RN, dona Glorinha Oliveira!

 

 

 

 

 

Gutenberg CostaPedagogo, bacharel em Direito, escritor e folclorista

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