A JUSTIÇA E A AÇÃO DA MAGISTRATURA – Josoniel Fonsêca

A JUSTIÇA E A AÇÃO DA MAGISTRATURA –

As contradições sociais, a marginalidade urbana e a crescente coletivização dos conflitos estão provocando, nos meios políticos, jurídicos e mesmo acadêmicos, uma intensa polêmica sobre o papel da justiça em sociedades estigmatizadas pelas desigualdades socioeconômicas, como é o caso do Brasil de hoje. Indagamos: face a explosão da litigiosidade no contexto social tenso e explosivo como o brasileiro, tribunais podem desempenhar com eficácia suas funções tradicionais de absorver as tensões, limitando os conflitos e impedindo sua generalização?

Na ótica da prática jurídica, essa e outras indagações suscitam discussões sobre o acesso diferenciado à Justiça por parte das diversas classes e estratos sociais, a racionalização dos serviços judiciários face o impacto de seus custos sobre a crise fiscal do Estado e a transformação do juiz num legislador consciente de que a aplicação das leis não pode ser reduzida a uma dimensão exclusivamente técnica. Do ponto de vista da reflexão teórica ou exclusivamente analítica sobre o direito, essas questões entreabrem um campo original de estudos multidisciplinares sobre a função do processo, a organização dos tribunais, a forma de recrutamento dos magistrados, as motivações das sentenças e as ideologias profissionais e políticas dos vários setores da administração da Justiça.

Algumas questões são dilemáticas, tais como: a formação dos atores jurídicos deve continuar na tradição formalista da dogmática jurídica, cuja preocupação central é a subsunção dos fatos à norma legal, valorizando apenas os aspectos lógico-formais do direito positivo e as questões da validez da norma, integração das lacunas e eliminação das antinomias? Outra questão de peso é esta: os atores jurídicos estão recebendo uma formação capaz de esclarecer o caráter político das profissões jurídicas, possibilitando-lhes distanciamento crítico e clara consciência das inúmeras implicações de suas funções em sociedades marcadas pelo crescente descompasso entre a igualdade jurídico-formal e as desigualdades socioeconômicas?

Em face disso, é de se concluir: numa sociedade como a brasileira, onde essas desigualdades vão sendo recodificadas no imaginário social e político, constituindo-se numa ameaça à estabilidade de regimes fundados numa concepção liberal de direito, as profissões e as próprias instituições jurídicas têm sido atravessadas pela natureza crescente e coletiva dos conflitos. Recorde-se o aparecimento de movimentos populares, sindicais e religiosos organizados, desafiando a rigidez lógico-formal dos sistemas legais pela politização de questões aparentemente técnicas e procurando criar novos direitos a partir de fatos consumados, tem aberto caminho para práticas contraditórias que comprometem cada vez mais o ordenamento vigente. Essas práticas, por sua vez exigem resposta mais pragmáticas por parte do Estado, com a finalidade de atomizar, dispersar, desideologizar e trivializar os conflitos socioeconômicos sem, contudo, resolvê-los. Problema que nos leva à reflexão é que, à medida que o Estado tende a tratar cada problema como uma questão isolada, essa dispersão vem acarretando a ampliação e a fragmentação de suas funções regulatórias, comprometendo a hierarquia das leis e acentuando a competição jurisdicional entre o Executivo e o Judiciário.

 

 

 

 

 

Josoniel Fonsêca – Advogado e Professor Universitário, membro da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte – ALEJURN, josonielfonseca@uol.com.br

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