2016 – Adauto José de Carvalho Filho

2016 –

“A educação do homem foi feita pelos seus erros: em primeiro lugar, ele nunca se viu senão imperfeitamente; em seguida, atribuiu-se qualidades imaginárias; em terceiro, sentiu-se em relações falsas diante da natureza e do reino animal; em quarto, nunca deixou de inventar tábuas do bem, sempre novas e tomou cada uma delas durante certo tempo como eterna e absoluta, de tal maneira que o primeiro lugar foi ocupado sucessivamente por este ou aquele instinto ou este ou aquele estado que enobrece esta apreciação. Ignorar o efeito destes quatro erros é suprimir a humanidade, o humanitarismo e a dignidade humana”.

Nietzsche

 

A história da cidadania brasileira ou sua história nos breves, mas decisivos momentos, que se iniciaram em 2012 e perecem em turvas imagens em 2016, mostra a queda do Estado político brasileiro e, por isso, fenece espaço próprio para todas as possibilidades institucionais e, em nenhuma delas, a cidadania se vê resgatada ou respeitada. O Brasil vive um momento inédito em sua plácida história e se descobre, enquanto Estado, oprimido por uma couraça de privilégios angariadas pelos poderes republicanos, que negam a própria de República, e expõem um ordinário consórcio institucional onde a cidadania é a grande negação e vetora de todas as conspirações. O sentido de “poder” nunca foi tão aviltado e o Estado, sem viés público, se contorce em ilegitimidades e ilegalidades promovidas pelos poderes que deviam esperançar a nação e, com inexplicável inversão de valores e princípios, expoliam a sociedade e legam ao cenário institucional a mais perversa descrença, que sugerem caminhos paralelos de interesses corporativos e de negação do futuro ao povo, a sociedade. A República se tornou privada na existência de inescrupulosas ações de suas autoridades que, mesmo descobertas em seus malfeitos, atentam contra o Estado, uma ficção jurídica manipulada por governantes, legisladores e juízes que se mostra cara e sem serventia. O ano de 2017 é tão temido quanto apocalíptico e, relendo Arendt, se mostra aterrorizado pela possibilidade de mais uma ruptura que, como mostra a história, será mais um acontecimento nacional maquiavelicamente manipulado por autoridades constituídas e prostituídas: “os movimentos totalitários (como o que vivemos em sua versão à brasileira) tiveram sucesso porque, como verdadeiros oportunistas, os seus falsos arautos souberam tirar proveitos do vazio deixado (e alimentado) da falência política do Estado social”. A pensadora se referia ao surgimento do nazismo e do stalinismo, que enlutaram a história da humanidade e se perderam nas masmorras do tempo deixando apenas seus horrores.  Não estamos distante disso. A falência do sistema político é indefensável e os poderes se amontoam em suas teias e conspiram contra as liberdades e o direito. O poder executivo com toda a cúpula comprometida com a corrupção; o poder legislativo, elo da corrupção com o executivo, o dono da caneta; enquanto que o judiciário padece com a mais triste das máculas: a falta de identidade institucional e uma passionalidade de posicionamentos e tendências dos seus julgados sem precedentes na história da própria justiça brasileira. Os juízes do Supremo Tribunal Federal, com honrosas exceções, se comportam como lavadeiras que labutam ribeirinhas aos córregos e se deleitam em apontar o encardido nas peças lavadas pela demais, e se envaidecem da limpeza das roupas por ela lavadas, sem a menor crítica sobre os encardidos que escondem. Assim, temerosamente, chegamos a 2017, sem lideranças, sem bússola, sem norte e sem, ao menos, um “pitaco” que resulte em alguma esperança. Estamos perdidos na falência de um Estado que imputa os prejuízos da massa falida ao cidadão que em nada (ou pouco contribuiu) para a crise em que se meteu e nos meteu. O momento é crítico e incompreensível. Os nossos homens públicos são arremedos de autoridades e garatujas de autoritarismo. Neles nada é real ou creditório; tudo é falsidade e penhora. A honestidade, em especial, a ideológica, há muito pereceu nas podres amarras constitucionais de poderes que se tornaram inúteis pela própria inutilidade do Estado Brasileiro.

Alguns leitores poderão considerar o cenário traçado como exagerado e, como pensador, aceito e contesto e me apoio na Constituição Federal e a inteligência dos artigos 1º e 3º e 37 da Constituição Federal, que versam sobre os fundamentos e princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Alguns termos e expressões: Estado Democrático de Direito, Pacto Federativo, soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, sociedade livre, justa e solidária; desenvolvimento econômico e igualdade constitucional viraram retóricas desprovidas de extratos e substância e caíram no vazio do descrédito social. As autoridades zombam da lei e a lei se queda às autoridades. Não há limites de conveniências entre os poderes, não há limites para o incesto entre os poderosos.  Tudo é permitido. Tudo é apaziguado, tudo é venal.  As mídias nacionais chamam os poderes nacionais de organizações criminosas e, por mais que choque aos que ainda creditam algum valor ao país ou dedica alguma fé na cidadania, é uma realidade inegável. É um círculo de culpados e cúmplices que envergonha a nação. As autoridades mentem, falseiam a verdade, enganam, quebram o decoro, se acusam mutuamente, roubam e o sentimento do cidadão é que nada será punido. O Estado brasileiro foi premeditada e criminosamente aparelhado em todos os poderes e esferas. Briguinhas simuladas entre comparsas, falsos rompimentos, posição imprevidente da situação, oposição conivente, líderes de ocasião e uma enorme teia de políticas e políticos que são verdadeiras aberrações. O artigo 37 da Constituição Federal, que versa sobre os princípios que devem nortear a administração pública, diante dos desmandos e descasos, é natimorto e piada nacional. Aliás, leis no Brasil são brinquedos nas mãos de autoridades irresponsáveis e só oferecem ao país a mais completa insegurança jurídica. A hierarquia do poder judiciário brasileiro é digna de um país sério, mas que pouco acrescenta naquilo que interessa: colocar o país nas linhas da legalidade. Façam uma enquete. Quem ainda acredita no poder judiciário brasileiro? Se encontrar alguém ganhará o pódio da cidadania, que é o falso deleite dos poderosos. O sistema republicano brasileiro há muito esqueceu que o poder constitucional deriva do povo e, no posicionamento maquiavélico das nossas autoridades, não existe povo, mas eleitores. O voto é a mercadoria mais barata no mercado das aberrações políticas e a justiça eleitoral se glorifica em aplicar os rigores da lei a um pequeno grupo de políticos que, pela pouca importância no contexto, tem a mesma valorização que dá ao povo, nada!

Mas, inexorável e fatidicamente, o ano de 2017 se avizinha, apesar da escuridão social que o receberá e da falsidade institucional que será mostrada nos shows de fogos de artifícios, em homenagem a sua chegada, e pago com o dinheiro dos descrentes e com a leviandade da esperança cultuadas por aqueles que se se aprimoraram na arte da desfarçatez e do engodo, mas entrincheirados no ápice da pirâmide; os que deveriam ser espelho tornaram-se vidraça e os que deveriam ser símbolos sociais tornaram-se marionetes que, imaturos, negam o poder institucional que detem (por vezes, o desconhecem) para trocarem tiros com as armas da insensatez a eles entregues por aqueles que se locupletam da ignorância social. Nietzsche, em sua verve ácida, já ensinava que o caminho da felicidade social se mostra nas sinuosidades das estradas por onde se deveria buscar a própria identidade: “Um sábio perguntava a um louco qual era o caminho da felicidade. O louco respondeu-lhe imediatamente, como alguém a quem se pergunta o caminho da cidade vizinha: Admira-te a ti mesmo e vive na rua. Alto lá, exclamou o sábio, pedes demais, basta já que nos admiremos! E o louco respondeu logo: Mas como admirar sem cessar se não nos desprezarmos constantemente? Assim chegaremos a 2017, assim chegamos ao futuro, presos às realidades de passados que mostram a nós, enquanto cidadão e sociedade, que o Brasil de hoje não mais é o reflexo do que fomos capazes de construir para o país e para nós mesmos, uma plácida transferência dos nossos poderes constitucionais para as mãos da inescrupolisadade de alguns, que se tornaram muitos, que destruíram o todo que não fomos capazes de exigir como modelos e que só a um caminho a se trilhar para que o futuro dos sãos se assemelhem ao dos loucos o da plena admiração pelo Brasil e pela brasilidade, cujas cores desbotamos com a prática secular da mais perversa das atitudes: a negação de nossa cidadania. E, por fim, buscarmos novamente em Nietzsche para ilustrarmos que a amargura dos caminhos que tornamos nosso, por nossa absoluta imaturidade política e social e que será adocicado pelos crepúsculos dos ídolos, falsos lideres a quem entregamos o nosso poder político e representação social, e o vimos ultrajado e aviltado e, covardemente nos calamos nos calamos: “Gosto dos valentes; mas não basta bater a torto e a direito; é preciso saber ainda no que se bate. E muitas vezes há mais coragem em se conter e passar adiante, a fim de se reservar para um adversário mais digno. Tende apenas inimigos dignos de ódio, e não inimigos desprezíveis; é necessário que possais estar orgulhosos dos vossos inimigos; já vos ensinei isso. “É necessário reservardes-vos para um adversário mais digno, meus amigos; por isso tereis de passar por cima de muitas ofensas – passar por cima de muita canalha que vos massacrará com as palavras povo e nação”. Não serão lutas fáceis, mas indispensáveis. Não há retomada sem sacrifícios. Não há sacrifícios sem profundas marcas existenciais, mas temos consciência de quem são os inimigos e do porto aonde devemos chegar: o país, a nação, a plenitude do exercício livre e idealista da cidadania. Entre os inimigos reais e as abstrações utópicas de uma República virtuosa, apenas o mar caudaloso, onde as batalhas acontecerão, e vencidas, nas marés seguintes, nos enlevará com a simbologia de um mar grandioso como as utopias de tudo o que queremos e merecemos. Que 2017 chegue e traga para nós- que somos adeptos do sim e do não em todos os assuntos do complexo momento nacional, sem o conhecimento e a justeza de pensamento; que nos negamos a debater assuntos sérios para o futuro do país com isenção e desprendimento; que defendemos medidas e ideologias contrárias aos ditames nacionais em nome de uma nova ordem nacional que não se conhece; que temos nossos corruptos favoritos- a sensatez e a maturidade suficientes para enfrentarmos os reais desafios de um país que busca a normalidade institucional e a retomada da prosperidade como a única maneira possível de combate as desigualdades, a distribuição de renda em uma sociedade mais justa e retributiva e que aprendamos, por fim, que em Estados deformados como o Brasil atual ao detentores do poder só o poder interessa e que a cidadania e a dignidade da sociedade são meros e insignificantes detalhes em seus projetos pessoais e corporativos e seus populistas e maquiavélicos projetos de perpetuação do poder, pelo poder.

 

Adauto José de Carvalho Filho – AFRFB aposentado, Pedagogo, Contador, Bacharel em Direito, Consultor de Empresas, Escritor e Poeta.

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,3730 DÓLAR TURISMO: R$ 5,5580 EURO: R$ 6,259 LIBRA: R$ 7,1290 PESO…

12 horas ago

Netflix fecha acordo para compra da Warner Bros. Discovery por US$ 72 bilhões

A Netflix anunciou na manhã desta sexta-feira (5) acordo de compra dos estúdios de TV e cinema…

13 horas ago

Suspeito de participar da morte de menina de 7 anos na Grande Natal é preso

A Polícia Civil prendeu nessa quarta-feira (3), em Natal, um dos suspeitos de partipação na morte da…

13 horas ago

Dino marca para fevereiro de 2026 julgamento do caso Marielle na 1ª Turma do STF

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta sexta-feira (5) marcar para os…

13 horas ago

Investigado por contrabando é preso ao ser flagrado pela PF com material de abuso sexual infantojuvenil

A Polícia Federal prendeu um investigado por contrabando de cigarros em flagrante após localizar material configurado…

13 horas ago

Justiça manda Airbnb ressarcir despesas médicas de cliente que ficou paraplégica após acidente em hospedagem

A Justiça do Distrito Federal determinou que o Airbnb pague, na íntegra, os custos de uma…

13 horas ago

This website uses cookies.