Zé Luiz, o compositor do Vale –

“A música é o tipo de arte mais perfeita: nunca revela o seu último segredo”.
Oscar Wilde

Em um saudoso e boêmio encontro nas tardes-noites das quartas-feiras, na Confeitaria Atheneu, em companhia do seleto violonista/romântico do Vale de Ceará-Mirim, Tita (João Batista da Silva), e outros amigos admiradores e conhecedores da boa música popular brasileira, o assunto maior e dominante, girava em torno dos velhos e bons tempos dos verdadeiros seresteiros. Como sempre acontece, vêm as curiosidades sobre a música brasileira, seus intérpretes, seus compositores, pedidos e mais pedidos para interpretações das velhas e bem lembradas músicas de seresta/romântica, sempre capitaneada pela seu maior representante, o produtor musical Zé Dias.

Como um bom apreciador, curioso e apaixonado pela música de boa qualidade, começo a fazer algumas indagações sobre famosos e velhos seresteiros dos bons vividos tempos.
– Tita, você conhece alguma coisa do famoso intérprete alagoano, conhecido como “A Patativa do Norte”, o inesquecível Augusto Calheiros? Os seus olhos brilharam! A emoção tomou conta do seu semblante. Fiquei surpreendido e curioso com a reação do bom violonista. Alguma coisa tocara o seu coração e a sua memória com certeza foi estimulada e aquecida.

O silêncio dominou o ambiente, e, de repente, surgiram os acordes do afinado violão, acompanhado da sua harmoniosa voz:

Vida de Caboclo: “A vida do caboclo na cidade/ É bem triste na verdade/ Nem é bom de relembrar/ O caboclo vê as coisas diferente/ Alvoroço, tanta gente/ Que se esquece até de andar…”; Grande Mágoa: “Quando a mocidade me deixar um dia/ Na solidão sofrendo a nostalgia/ Ao relembrar o tempo que passou…””; Célia:“ Andei tristonho e solitário/ Subindo o meu calvário/ Carregando a cruz pesada dessa vida”…

Entra então o depoimento de Tita sobre uma simples e desconhecida figura, responsável por algumas das mais belas composições interpretadas por Augusto Calheiros: Grande Mágoa, Vida de Caboclo, Célia, Casa de Sapê, que acabávamos de ouvir na interpretação do bom violonista do Vale.

O  Autor dessas músicas chama-se Zé Luiz (José Luiz da Silva: 1915-1982), nascido em Ponta do Mato, distrito de Ceará-Mirim/RN, meu grande amigo, meu conterrâneo e meu querido parceiro. Permaneceu entre nós (Ceará-Mirim e Natal) até os dezoito anos; quando mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde serviu o Exército, cumprindo a sua obrigação com o serviço militar obrigatório.

 Na cidade Maravilhosa e no Exército, conheceu a figura também nordestina de Luiz Gonzaga (ainda em início de carreira ), que lhe deu apoio para o início de sua nova e desejada vida artística.

Sua facilidade de tocar violão lhe abriu as portas para conhecer famosos músicos da época e iniciar sua carreira de compositor.

Teve momentos de muitas dificuldades financeiras, tendo que trabalhar pesado, ganhando muito pouco para se manter no Rio de Janeiro, chegando a dormir em verdadeiros muquifos, onde compunha suas letras musicais e as vendiam a preço de “banana”. Pior ainda, era usado por “aproveitadores”, que, munidos de suas composições melódicas em nome próprio, nada lhe recompensavam financeiramente.

Gravou em 1949 o samba “Cremilda”, interpretado pelo cantor Moreira da Silva, quando ganhou o Concurso Oficial de Sambas e Marchas de carnaval do Rio de Janeiro, disputando com compositores considerados verdadeiros monstros sagrados da música brasileira: Ary Barroso, Braguinha e Ataulfo Alves. Em 1954, gravou a música “Trabalha Mané”:“É tão bom levantar cedinho/ Tomar um cafezinho com manteiga e pão/ Sair para o trabalho sem perder o trem/ Você sabe que a barriga não espera por ninguém”; interpretada por Claudete Soares, Os três do Nordeste e Os Cangaceiros, grupo musical do qual o próprio Zé Luiz fez parte.

Participou de várias produções cinematográficas dirigidas por Mazzaropi: “Fuzileiros do Amor”; “O Cangaceiro” de Lima Barreto, “Fazenda do Ingá” e “O Grande Pintor”, essas últimas com o famoso comediante Ankito. Compôs com o seu conterrâneo, amigo e parceiro Tita, o Hino de Ceará-Mirim, oficializado pela Câmara Municipal em 19 de outubro de 1973, na gestão do Prefeito Ruy Pereira Júnior.

 Em 1963, já estava de volta em Natal, depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC), no Rio de Janeiro, episódio que lhe rendeu uma sequela motora, com perda parcial dos movimentos do hemicorpo esquerdo, inclusive com distúrbios na voz. Faleceu no dia 27 de dezembro de 1982; pobre, esquecido e muito pouco divulgado no meio musical local e nacional. Seu corpo encontra-se sepultado no Cemitério do Bom Pastor, onde repousa como mais uma vítima do esquecimento do injusto e ingrato mundo comum.

Berilo de Castro – Médico e escritor

Uma resposta

  1. Por favor, dar os créditos do texto à pesquisa feita pela professora Edna Silva, de Ceará Mirim, para a Biblioteca Pública desta cidade, e reproduzido em alguns blogs do Vale do Ceará-Mirim. Onde estava o médico amigo de José Luiz, quando este morava miseravelmente no bairro das Quintas, até sua morte, mendigando que músicos gravassem suas músicas?

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