VICENTE SEREJO 1

Esta coluna tem sido persistente, mesmo com todo seu saber leigo, colhido em beira de praia desde menino, a reclamar do noticiário interminável diante dos deslizamentos no Calçadão da Praia do Meio e Areia Preta. Aquilo que a engenharia chama com certa sofisticação de fuga de material e os pescadores resumem numa velha sentença: o que é do mar, o mar leva. O improviso tem preço e vem a cada maré de lua, quando as águas cavam na faixa de arrebentação com a força da natureza.

Os engenheiros sabem disto, mas em nome do poder público e das verbas fáceis insistem na maquiagem. Eles sabem que é um deslavado improviso em que pese o embelezamento que alisa os olhos. Se o prejuízo desabasse no contracheque dos responsáveis e não do erário público, mães de todos os desmantelos, a insistência já teria sido evitada. Mas as burras do governo são generosas e quase sempre permissivas. Daí esses gastos garantidos pelos antolhos dos ordenadores de despesa.

Ora, todas as vezes que as pás municipais fecharem o piso e pintarem o alambrado com seu azul, nada impedirá que uma maré mais forte, com a força da lua, venha cavar a base que é de areia levando a camada que sustentava o passeio. As crateras se abrirão de novo e outra vez chegarão as pás e as colheres de pedreiro. E assim iremos indo, gastando em vão os parcos dinheiros públicos de nossa tesouraria. Como ter pressa se quem paga é a viúva e nem ao senhor bispo adianta reclamar?

Antigamente, quando o jornalismo se pautava mais pelos fatos do que por declarações que servem mais aos administradores do que à sociedade, os gestores tinham um sentimento de pudor e evitavam o ramerrão excessivo dos releases. Uma foto, como na primeira página de recente edição do JH, desmoronou o improviso e mais uma vez se impôs o toque-de-caixa, na pressa do verão, esquecidos de que o mar não é funcionário público, não assina ponto, não teme cara feira de chefe.

Como gastar os recursos públicos num tempo de crise e assumir, com a maior candura desse mundo, que é uma obra provisória? Como é provisória, a não ser pela indesculpável consciência de que vai sumir com a primeira maré mais forte? Então se sabia que iria cair? Então a solução foi uma maquiagem? Um simulacro engendrado apenas para alguns dias de verão? Quem ordena toda essa despesa como se no orçamento municipal coubesse uma rubrica para custear a arte do improviso?

A sociedade cansou desse tipo de postura. Não tolera mais esse pobre destino de aceitar ser sacrificada nos seus direitos, e até nos seus sonhos, a assistir ao desmazelo de gastos sem o controle que as finanças públicas exigem nesses tempos. A classe política não pode mais subestimar assim a consciência coletiva, seu senso crítico, sua percepção. Precisa ter todo pudor nos seus atos retóricos para que não sejam jogados na vala comum das artimanhas que ontem ainda faziam um bom efeito.

Vicente Serejo – jornalista e escritor

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