UMA TELA INACABADA –

Na parede uma tela…

Um barco (tipo canoa) ancorado sob uma árvore à margem de um rio qualquer. Um céu azul, poucas nuvens, um pássaro em pleno voo. Tudo isso em uma tela inacabada. Parte já com suas cores e parte rabiscado com grafite, davam a ideia do todo no qual o autor se debruçava com sua paleta e pincéis.

Prever as emoções que ali estavam poderia ser arriscado, pois sequer estava identificado o autor que, naquele momento, lançara sobre a tela a mistura de cores e sentimentos.

No museu do Vaticano existe uma tela inacabada intitulada ‘São Jerônimo no Deserto’, de Leonardo Da Vinci, que teria sido iniciada em torno do ano de 1483. Evidências predizem que essa tela foi abandonada pelo grande mestre Leonardo no estágio inicial para retomá-la mais tarde. Teria sido também essa a intenção do autor da nossa tela que aqui inspira esse texto?

Certamente ainda não temos uma pista que nos favoreça a levantar algumas hipóteses e, muito menos, uma conclusão. Portanto, vamos adiante em busca de algum vestígio.

Opa! Surgiu um detalhe importante. No verso da tela havia uma espécie de carimbo que espelhava uma data indicativa de ser o ano da montagem da tela em branco: 1976. Ufa! Ainda bem que não precisaremos viajar e pesquisar arquivos secretos — ou não — para nos aproximarmos do autor, de seu propósito, ou do possível abandono da tal tela.

Em que uma tela inacabada pode favorecer a uma reflexão sobre a vida?

Em Filipenses 1.6, Paulo disse aos moradores de Filipos: “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo”. Veja que o prazo de conclusão e entrega da obra será no dia da glorificação de Jesus Cristo e não o aprazado pela simples vontade do homem.

Ah, mas essa obra não é aquela que fazemos no dia a dia! Sim, não é. Mas nenhuma obra se inicia ou termina se não formos firmes no propósito de a fazer e se não tivermos o dom e a habilidade que nos tenha sido permitida pelo Pai.

Ah, mas eu estudei para aprender. Sim, estudou. Até mesmo aprendeu com o esforço da prática e da persistência. Examine, porém, as tantas condições, mínimas, desgastantes ou mesmo as mais favoráveis, e verá que foi agraciado à melhor maneira que o Mestre encontrou, para tornar hábeis as suas mãos, a sua mente e a sua inteligência. Perceba que ao final de cada obra pronta, a primeira expressão que sai do coração e pronunciamos é: Graças a Deus.

Nós também somos obras inacabadas. Como tal, Deus, que iniciou Suas pinceladas e começou a utilizar o cinzel para nos modelar, ainda não terminou. Ele está continuamente construindo cada um de nós em busca do novo homem à Sua imagem e semelhança. E esse concluir evidentemente passa pela qualidade do “material” que Ele utiliza. Assim, cabe a nós colaborar, como pedra bruta, que o ‘Artista da Vida’ faça uso da mão modeladora da santificação para esculpir, talhar ou mesmo pintar as nossas atitudes.

Mas não se apresse, o tempo de Deus não é contado pelo calendário. Mesmo que você não compreenda e não entenda, Ele não terminou a obra em sua vida. O tempo todo Ele escolhe o pincel mais adequado, a cor mais certa, para tornar você a obra perfeita. Ele quer que você seja uma referência para que outros encontrem em você Suas impressões divinas.

Permita a Deus que Ele, ao tempo em que faz de você essa obra prima, possa também utilizá-lo como ferramenta, quiçá um pincel, para fazer de sua vida um colorir de ações construtivas do entendimento e do respeito pela diversidade de ‘pedras’ que também estão sendo buriladas.

Eu também sou uma tela inacabada, mas tendo a confiança de que Deus, todos os dias, olha para mim e com seu pincel vai ajustando a cor de cada detalhe da minha vida.

Afinal, e a tal tela inacabada lá do início?

Descobri que o autor não a deixou assim para que daqui a cem anos ela estivesse valorizada, mas por pura inabilidade artística. Seus dons foram desviados para outras artes mais discretas.

Agora desvendando o segredo: A tela foi iniciada por mim. Foi uma tentativa de, nela, imprimir sentimentos que afloravam em minha alma, mas Deus me disse: “Ei, preciso de você em outra tela”. Retruquei: Senhor!? E Dele ouvi: “Dotarei você de outras habilidades”. Então tá!

Por alguns anos, a tela do barco sob a árvore ficou exposta na parede do quarto de minha mãe (tinha que ser mãe), até que foi mofando e estragando os arroubos de um artista anônimo até então.

Você também tem alguma obra inacabada?

 

 

 

Carlos Alberto Josuá Costa – Engenheiro Civil, escritor e Membro da Academia Macaibense de Letras ([email protected])

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