EUGENIO

Eugenio Bezerra Cavalcanti Filho

Lembrei, há alguns dias, estória que meu pai costumava repassar, em roda de amigos, que se divertiam muito com o relato. Dizia ele que a estória era verídica, mas eu ficava a pensar como isso teria chegado a seu conhecimento. Vai ver que era mesmo coisa da sua imaginação, dado, que era, a narrativas de tal ordem, piadas, anedotas, e emboladas divertidas e cheias de bom humor. Quando meu pai contava, a estória era bem mais curta, apesar dele até acrescentar, por vezes, certos floreios. Confesso que me expandi um pouco, exagerei nos detalhes, e notei, agora ao reler o texto para transcrição, que ficou meio longo. Mas tenham paciência, e vamos ao que interessa, pois vocês já devem estar curiosos para conhecer esse relato de tão antiga época.

Um representante comercial (que nos meus tempos de criança era chamado caixeiro viajante) se achava em viagem pelas brenhas do sertão nordestino, naquelas estradas de terra estreitas e sem muito movimento, nas quais o condutor dirige horas e horas, léguas e léguas, sem encontrar vivalma. De repente, e já quase anoitecendo, o carro do nosso viajante lhe pregou uma peça, parando totalmente de funcionar, sem motivo aparente, pois não indicava estar com excesso de temperatura nem escassez de combustível. Desolado, nosso personagem abriu o capô, olhou tudo minuciosamente, mexeu alguns fios, o que de nada adiantou, pois não detinha conhecimento de mecânica e eletricidade de autos, suficiente para livrá-lo do contratempo. Quedou-se então à espera que um milagre pudesse acontecer, e aparecesse alguém, naquele cafundó do Judas, que pudesse prestar a necessária ajuda. Ledo engano, pois o tempo foi passando, a noite chegando, e nada, do que ingenuamente esperava, aconteceu. Já aflito, e sem saber que atitude tomar, vislumbrou à distância, mata adentro, certa luminosidade. Para lá se dirigiu, então, com esperança renovada.

Para sua felicidade, à medida que se aproximava do local iluminado, constatou se tratar de uma moradia, no limiar de terreno cercado com estacas e arame farpado. Abriu a porteira e se dirigiu à casa. Após se anunciar com palmas e o usual “oh de casa”, foi recebido por uma bela cabocla, de tez acobreada, soberbo exemplar de sertaneja, e jovem ainda, pois aparentava não ter chegado aos quarenta. Trajava um vestidinho simples, que lhe marcava as bem proporcionadas formas. Nosso amigo se surpreendeu com imagem de tamanha beleza, perdida em meio àquelas brenhas. Mas, sério e comedido que era, dissimulou a surpresa, se apresentou à dona da casa, e lhe pôs a par das suas dificuldades. Ela também se apresentou, dando conta de ter enviuvado há cerca de um ano, e assumido a administração da fazenda do marido, em cuja casa grande morava sozinha. Soube por ela, ainda, que somente contaria com qualquer ajuda no dia seguinte, quando poderia se deslocar, com um dos empregados da fazenda, ao lugarejo mais próximo, onde havia uma oficina mecânica. Teria ele, assim, e necessariamente, que pernoitar na casa. Aceitou, pois, a pousada, não sem antes desfiar um rosário de boas qualidades, que o credenciaria a aceitar o convite: “ – Não se preocupe, minha senhora, pois sou um senhor de bem, respeitador, e, além do mais, sou rotariano, por cujas normas de tal ordem conduzo meu comportamento exemplar.”

A dona da casa, então, cumulando o viajante de gentilezas, o levou a um quarto de hóspedes, lhe mostrando detalhadamente todo o aposento, inclusive o banheiro, onde poderia se refrescar antes do jantar que ela iria servir. Ele, se mantendo à distância, agradeceu todas as atenções, e afirmou que em pouco tempo estaria pronto para a janta. A refeição transcorreu em clima ameno, mas, no entender do hóspede, com exageradas demonstrações de simpatia por parte da anfitriã, que sempre procurava proximidade maior para servi-lo, inclusive se debruçando em demasia, facilitando, sem pudicícia, a exibição de boa parte dos seus formosos seios, coisa que o estava deixando meio constrangido. E o que o fez levar a enaltecer novamente suas boas qualidades de cavalheiro respeitador. Ao término do jantar, e após curta prosa, ele pediu licença para se recolher, alegando estar cansado e ser preciso despertar cedo. Ela o levou ao quarto mais uma vez, com a desculpa de ver se estaria tudo em ordem, e ajudá-lo a desfazer a cama, o que lhe causou novos constrangimentos. Mas agradeceu muito a boa atenção, dizendo-lhe que não mais se preocupasse, pois tudo estava perfeito, e que ele teria assim uma boa noite de descanso.

Pouco tempo depois, contudo, quando já se achava prestes a dormir, escuta batidas na porta do quarto. Ao abrir, se depara, surpreso, com a viúva, que lhe trouxera um ventilador, apesar de totalmente desnecessário, pois a noite era fresca e nada impediria uma boa dormida. Como agravante adicional, para essa inesperada visita, a bela anfitriã se achava em sumaríssima vestimenta de dormir, com exageradas transparências e reduzidas áreas cobertas de seu corpo exuberante. Com pretexto de ligar o aparelho, entrou no aposento, toda insinuante, se dispondo a conversar, e se oferecendo, inclusive, para lhe fazer companhia por mais algum tempo. Nosso viajante, então, já suspeitando de suas reais intenções, resolveu, a contragosto, ser um pouco mais enérgico nas argumentações sobre suas qualidades, voltando a enfatizar sua condição de rotariano, que lhe impedia qualquer desvio de conduta. Vendo que seus esforços não teriam conduzido ao resultado esperado, a viúva só teve mesmo que se retirar, um pouco agastada.

No dia seguinte o hóspede se levantou cedo, e se pôs a passear pelo vasto avarandado que circundava toda a casa, inclusive parando um pouco na parte de trás, de onde se avistava, no quintal, um galinheiro cercado, ficando ele a observar as bem cuidadas criações, e a escutar o canto dos galos existentes. No retorno ao interior da casa, a dona já se achava na cozinha, no preparo da refeição matinal. Ele então a inquiriu sobre certo aspecto que havia notado no galinheiro, e que lhe causara estranheza: “ – Constatei que no seu galinheiro deve haver pouco mais que umas vinte galinhas, e vi que existem três galos. Por acaso um único galo não seria suficiente, para dar conta de todas as galinhas?” Ela, então, prontamente retrucou: “ – Dos três exemplares que o senhor viu, apenas um deles é galo de verdade. Os demais são rotarianos!”

Eugenio Bezerra Cavalcanti Filho – Empresário e Escritor 

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