UM OLHO NO GATO E OUTRO NO PEIXE –

As pessoas, de um modo geral, gostam muito de pedir e desejar coisas. É fato que fomos criados e ensinados a viver nesse sistema: “faça seu pedido a Papai Noel”, “jogue uma moeda na fonte e faça um desejo”, “peça alguma coisa a uma estrela cadente”! A sociedade nos condicionou a viver pedindo, desejando e esperando. Ninguém diz a uma criança: “faça uma parte dos trabalhos de casa que eu deixo você ir à escola” ou “me ajude com seus irmãos que eu levo você ao dentista”. Nada disso! Até por que, nos dias atuais, são tantas leis, tantas regras de conduta, que os pais têm medo do que dizer aos filhos. Isso traumatiza, aquilo faz a criança ficar rebelde, aquilo outro pode ser denunciado como maus tratos ou trabalho infantil.

Outras gerações, que foram criadas sob regras duras, tendo que auxiliar os pais nos trabalhos e ajudar a criar os irmãos, têm por seus pais respeito, não revolta. Claro que as tarefas devem ser dadas de acordo com a idade e responsabilidade do filho. Não se coloca um menor de doze ou quinze anos para olhar um irmão ou fazer um almoço, mas um pouco de tarefas, como arrumar o próprio quarto ou lavar a louça do jantar, não faz mal, pelo contrário, ensina o valor do esforço pessoal, ensina a se respeitar o próprio suor.

O que vejo nos dias atuais são milhares de “Midas”, “Narcisos” e “Gepetos”.  E, se pensarmos bem sobre estes personagens, entenderemos o que não se deve fazer, ensinar ou desejar.

Midas já era um rei. Tinha seu castelo, suas terras e súditos, mas ele queria mais. Queria que tudo fosse ouro! Desejo atendido e Midas transformou em ouro tudo a sua volta, inclusive as pessoas, parentes ou não, e os alimentos. Tudo em que tocou virou ouro. Midas morreu sozinho e, provavelmente, com fome. Ele tinha tudo e não possuía nada.

Narciso era um belo rapaz, mas ele queria mais. Queria ser o mais lindo, perfeito e maravilhoso de todos os seres. Seu pedido foi atendido: ele ficou tão lindo que, ao ver sua imagem refletida nas águas de um rio, tentou alcançar aquela criatura (naquele tempo não existiam espelhos!) e morreu afogado. Ele era lindo por fora, mas vazio por dentro.

Gepeto criou um menino de madeira. Como era sozinho, pediu que o boneco ganhasse vida. Mais um pedido atendido. Ele sabia que o boneco era desobediente. Gepeto fechou os olhos à realidade. Ganhou um filho ainda mais desobediente e irresponsável que o boneco. Gepeto cegou diante da verdade. Era um bom homem, mas era um tolo.

Já se diz que devemos ter cuidado com aquilo que desejamos, pois poderemos conseguir. Qualquer valor que não seja fruto de suor e trabalho vale menos, é menos “real”, de modo que, quem não trabalha, não sabe o valor do suor, não conhece as maravilhas do dever cumprido.

A beleza sem conteúdo é como a torta de algumas padarias, ótima por trás do vidro, mas, quando vamos comê-la, temos uma massa seca com espuma colorida por cima. Beleza sem conteúdo não é nada. Conteúdo sem beleza é uma pessoa inteligente, engraçada e que sabe conversar com todos em qualquer ocasião.

Não adianta ser bom a ponto de ser bobo, de fazer besteiras que não podem ser desfeitas, de fechar os olhos diante da maldade que há por aí. Dizem por aí que todo dia saem de casa um “sabido” e um “besta”. Não seja nenhum deles. Seja bom, mas não se deixe enganar.

São coisas simples, que deixamos passar e que passamos adiante. Vamos abrir os olhos, pensar bem no que queremos ter um foco e trabalhar por ele, sem cair nas mesmas armadilhas várias vezes, aprendendo com os erros próprios e com os dos outros. Ensinando o que foi aprendido, valorizando cada lição. Cuidando dos filhos, do que eles fazem, do que eles aprendem, sobretudo de nós. Com um olho no gato e outro no peixe.

 

Ana Luíza Rabelo Spencer – Advogada – ([email protected])
As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *