Lá se vão quase quatro décadas da morte do pernambucano Nelson Rodrigues (1912-1980), certamente o mais festejado dramaturgo do país, autor de centenas de contos onde explorou as paixões e as tragédias do cotidiano do brasileiro.

Engendrar-se pelos enredos do escritor é também uma maravilhosa viagem ilustrativa dos usos e costumes dos anos 50 e 60, retratados com sotaque da época sem qualquer pudor ou censura.

Mas o que torna deliciosa essa leitura, principalmente para nós sessentões, é resgatar expressões e gírias escondidas, há muito, nas sombras de nossas lembranças. Nos contos de Nelson, tais citações escapolem aos borbotões de seu imaginário fértil, e se nos apresentam tão vívidas e atuais como no tempo em que foi escrita cada uma das cenas das histórias do autor.

Décadas atrás era comum externar surpresa dizendo: Carambolas! Papagaio! Mostrava-se desagrado afirmando: É de arder! Acho pau! É espeto! É de morte! Ora, que pinoia! Será o Benedito? Se algo ou alguma mulher nos era agradável aos olhos, manifestávamos a satisfação exclamando: Um brinco! Uma teteia! Bonita como uma estampa! Um biju! Bacana!

Ter receio se expressava com um Estou frito! Algum bode? Fizeram minha caveira! Para combinar um negócio recorria-se a ditos como: No duro ou De fio a pavio. Mulher rica era Cheia da gaita. Ir ou vir depressa se cobrava com um Chispando! Caracterizava-se uma mentira afirmando: É potoca!

O gabola era Garganta pura. Pessoa franzina não passava de um Espirro de gente. Recém-casado chamava-se Casadinho de fresco. Ser rigoroso era Entrar de sola. Pedia-se calma com um Sossega o periquito. Externava-se alguma contrariedade falando: Comigo não, violão! Para cobrar uma explicação recorria-se a Desembucha, anda!

Diante da possibilidade de um namoro era comum falar: Ela te dá bola, Faz fé com tua cara ou Pode dar em cima. Para acusar alguém de esnobismo ou de afetação comentava-se: Não me venhas com chiquê, com nove horas! Para insinuar que o tempo para determinada providência se esgotara, dizia-se: Até aí morreu o Neves! Classificar alguém de sonso era: Mas que mascarado você é! E por aí vai.

No fundo, as gírias de hoje traduzem o mesmo significado de outrora, com a diferença de estarem maquiadas com um vocabulário pesado, sem originalidade e, em muitas situações, chulo. Até que seria pitoresco um trabalho cotejando expressões idiomáticas extraídas do cotidiano do nosso povo, relacionadas a diferentes épocas de nossa história. Algum saudosista ao ler tal trabalho, deixaria escapar a seguinte manifestação: É um número! Digno de almanaque!

Um dos vocábulos mais utilizados nas crônicas de Nelson Rodrigues é Batata. Tanto para cobrar um compromisso quanto para corroborar um acerto: Nos veremos mais tarde. Batata?. A resposta seria: Batata! E estava selada a palavra.

Fico imaginando qual a reação de um adolescente, membro de alguma comunidade funk brasileira deste século XXI, quando questionado com um: Batata? Certamente, pensaria tratar-se de seu legume predileto e responderia algo do tipo: “Yes brother, mas tem que ser trabalhada num óleo bem esperto, acompanhando um sanduba de penosa e de um arrotante no grau que pinguim gosta”.

Batata?

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil e escritor – [email protected]

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