REFLEXÕES LITORÂNEAS –

A aposentadoria nos leva a um mundo de reflexões. Sabedor que o tempo está mais para o fim, que propriamente para um horizonte de sonhos a realizar, vou chegando a conclusão que devo acelerar os dreams ainda pendentes, sob pena de ser penalizado pelas gorduras acumuladas, heranças já consolidadas em patologias mortais, além dos vírus e bactérias que se revezam em estratégias diabólicas para me eliminar.

E assim parto para mais um sonho a realizar, tal seja fotografar nossas praias. Apesar da liberdade da aposentadoria, tenho as âncoras da família que pede presença, realizando o tal desejo de maneira acelerada, cobrindo de Touros a Genipabu, de moto, em paradas rápidas, trajetos constantes e vias nem sempre amigáveis, tudo numa moto PCX e munido de um smartphone Samsung s20 e uma Canon T7 com lente 50-500 Sigma.

E nessa aventura de um coroa inquieto vejo o povo nas comunidades praianas, os jovens, as atividades, percebendo que a história destes seres é diferente, almejando quase sempre apenas existir. Sem grandes sonhos de viagens, posses, relacionamentos, encontrando a felicidade na comida posta, na cadeira diante da casa e no tocar do barco sem estresse, incorporando a felicidade cotidiana de comprar um pão, de fritar um peixe e ir no posto de saúde.

Não existe necessidade de sanduíches gourmet, de resorts ou land rovers. As pernas cobrem distâncias e os assuntos comezinhos de marés mortas, fiscalizações oficiais da lagosta fora das normas, além de Joãozinho que agora quer ser chamada de Jennifer e Marilinha – aquela quase beata, hoje só atende pela vocalização de Pedrão, além de ter trocado as missas pela academia e viver mergulhado na missão de criar músculos e cultivar pêlos.

No universo das milhões de aldeias litorâneas, para os mais velhos a vida é como Deus quer, já os jovens, mais bem informados sabem que a música que toca não é bem assim, e se movem pelo mote de que a vida é minha e eu que sei o que devo fazer, tirando Deus do leme e assumindo o roteiro do destino pessoal.

E fotografando aqui, papeando ali, percebi algo muito presente em quase todos. Como não adianta falar de religião, uma vez que são majoritariamente católicos, nem de política pois apoiam quem mantém as bolsas da vida, responsáveis pela renda da imensa maioria dessa população, só me restava perguntar por futebol.

Aí, me perdoem a sinceridade, mas as respostas quase absolutas apontam para o mengão, trazendo junto um sorriso de satisfação. O que pensei então, diante da mansidão da vida praiana, com um mar de sandálias, bermudas, ausência de shampoos, sonhos materiais e um horizonte de ter saúde? Que o futebol incorpora algo inerente ao ser humano, o de estar ao lado de algo vencedor, forte, com cheiro de povo, e que se queira ou não, as vezes mais, as vezes menos, o Flamengo tem essa pegada, é um popular vitorioso, é um time da massa que vence, sendo assim neste oceano em que estive imerso, uma alegria, uma adesão que agrega felicidade.

Quando não na vitória, sim na certeza de fazer parte de uma multidão, de uma nação. Percorrer o litoral na areia, de moto e fotografando, me tornou um marujo, matuto, curtidor mais ainda da vida. Sou um sonhador urbano, com DNA litorâneo.

 

 

Flávio Rezende – jornalista

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