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Eugenio Bezerra Cavalcanti Filho

Vou contar certa estorinha, um pouco picante no final, mas muito engraçada, e que retrata o humor, de uma certa forma singelo e ingênuo, do pessoal simples que habita as regiões de agreste e sertão desse nosso Nordeste. Tive notícia de tal estória há muito tempo, quando viajava com assiduidade por esses rincões, nas minhas lides profissionais. Vamos ao relato.

Vocês devem saber que, em toda fazenda, chácara, ou propriedade rural que se preze, há sempre um carro de boi, de auxílio em trabalhos agrícolas ou de transporte. Normalmente são puxados por parelha de dois animais, e cada um deles não deixa de ter seu nome próprio, como por exemplo: Bonito e Malhado; Pintado e Ligeiro; Altivo e Valente; e por aí vai. O protagonista dessa nossa estória é um pequeno proprietário rural, dono também do famoso carro de bois, cuja parelha era representada pelos belos animais denominados Cupido e Rochedo. Por ter ficado viúvo há alguns anos morava sozinho, mas usufruía sempre da companhia do vizinho e amigo, bem mais velho que ele, e dono de fazenda do mesmo porte que a sua. Era viúvo como ele, só que há bem mais tempo.

Certo dia, então, veio a ocorrer um fato que complicou, de maneira considerável, a vidinha simples do nosso personagem. O vizinho e amigo teria se interessado por mulher bem mais jovem, bonitona, brejeira, que conhecera em lugarejo próximo. Terminou por casar com a dita cuja e levá-la para sua fazenda. Pois não é que o vizinho acabou se apaixonando pela cabocla? Que triste sina do coitado, com tal paixão a lhe consumir e sem nada poder fazer. Afinal de contas, seria incapaz de impor tal desfeita ao amigo. E o tempo foi passando, e a paixão o consumindo. Passou até a dosar a frequência das visitas ao amigo vizinho.

Só que outro fato aconteceu, e que poderia modificar aquela sua situação constrangedora. O vizinho, por complicações de saúde, com certa gravidade, veio a falecer. E o nosso amigo, assim, vislumbrou a esperança de, após decorrido o necessário tempo de luto e lamentações, poder se acercar mais da comadre (como se tratavam, apesar dos amigos jamais terem sido compadres). Mas é que ele, por natureza própria, era também muito tímido, e não atinava como poderia iniciar tal assédio, sem que pudesse vir a causar eventual constrangimento. Não imaginava qual seria a reação da comadre, ficando temeroso e sem condições de encetar qualquer plano para a aproximação. E continuava a se consumir naquela avassaladora paixão. E o tempo passando…

Houve no entanto, e por acaso, ótima chance para que o compadre alcançasse seu intento. Certa manhã se dirigia, no carro de boi, ao lugarejo mais próximo, para adquirir alguns mantimentos. Ao passar na estrada de terra, em frente à casa da comadre, escutou sua melodiosa voz a chamá-lo:

– Compadre!!! Está indo pra onde?

Animado e contente, respondeu ele:

– Vou ao armazém da vila, comprar alguma coisa.

Ela então perguntou:

– Posso ir também? Preciso fazer umas comprinhas.

Radiante, o compadre declarou:

– É claro que pode vir, será um prazer lhe dar carona.

Ela pediu apenas um tempinho para se arrumar, e ele então, no aguardo, ficou num misto de alegria e preocupação. Primeiro, ao se dar conta que se lhe apresentava oportunidade ímpar, de pôr em prática algumas das ideias que vinha pensando há tempos. E segundo por não ter certeza de qual seria a melhor abordagem a adotar naquela ocasião propícia. De repente, chega a comadre! De banho tomado, cheirosinha, com um vestidinho leve e que realçava suas formas perfeitas, linda de morrer (como se diz hoje em dia). O compadre, estupefato, vendo e constatando essas maravilhas todas, terminou de perder, por completo, o rebolado que ainda lhe restava. E, pasmo, depois de ajudá-la a subir no banco, onde ela ficou bem junto a ele, iniciou o percurso. Pensava, pensava, e não atinava como poderia dar o começo devido ao assunto que lhe queria expor. Tentou conversas idiotas sobre tempo e atividades do campo, enquanto ia tangendo os bois, na cantilena inalterada: “Ê Cupido, ê Rochedo…” E nada de conseguir algo melhor, para entabular a conversa desejada. Nisso, no aboio da parelha, teve a ideia, brilhante a seu ver, de inserir algo naquela cantilena. E assim pôs em prática:

– Ê Cupido, ê Rochedo,

  Quero cantar a comadre,

  Mas estou com medo…

E ela então, surpresa, mas resoluta, respondeu na hora:

– Ê Rochedo, ê Cupido,

  Se tivesse cantado,

  Já tinha comido!

Eugenio Bezerra Cavalcanti FilhoEmpresário e Escritor

 

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