PERFIS DE NATAL – 

Garante o ditado popular que o projeto de vida do homem se completa quando ele gera um filho, planta uma árvore e escreve um livro. Poucos conseguem esse tríplice objetivo; muitos nenhuma das alternativas especificadas no adágio.

Os que desconsideram os três mandamentos determinantes de uma existência realizada, estabelecem a perpetuação de suas passagens nesta vida mediante ações diferenciadas, atitudes polêmicas ou posicionamentos marcantes. Porém, existem aqueles que obtiveram o direito de permanecer na lembrança popular apenas pelo comportamento pitoresco.

Sobre alguns desses perfis inusitados descrevo aqui singularidades que os popularizaram na nossa querida Natal.

          

 

 

 

 

 

 

 

Maria Mula Manca

Maria Mula Manca – Mendicante com defeito físico que a obrigava mancar e andar curvada apoiada num cajado. Vagava pelo Grande Ponto onde alardeava sua admiração por Dinarte Mariz. Chamada de Mula Manca destilava um festival de impropérios. Deixou Natal depois da derrota de Dinarte para Aluizio Alves, nos anos 60.

Garapa – Dele não se sabia nome ou sobrenome. Maltrapilho, mendigava inofensivo pelas ruas da cidade. Isso até que algum moleque gritasse: “Água!”. E outro acrescentasse: “Açúcar!”. Ele então perdia a compostura e destemperado gritava: “Mistura, filho de rapariga. Mistura para ver o que acontece!”.

Lambretinha – Dócil, risonho e desequilibrado mental, na sua loucura fantasiava ser um motorista de automóvel. Mãos para frente segurando uma sucata de volante percorria a cidade de uma ponta a outra, do Alecrim até as Rocas. Da garganta saia um ronronar de motor e dos lábios uma imitação de buzina. Era um “Brumm! Brumm!! Bip! Bip!” gozado e triste. Dele não se sabe nome nem paradeiro.

Joca Madureira – Derrubador de boi em vaguejada e bom de briga, impunha respeito pelo porte atlético. Contam-se dele histórias de enfrentamentos solitários e destemidos com patrulhas policiais nas noitadas mundanas de Natal. Um simulacro tupiniquim do carioca “Madame Satã”.

Marimbondo – Corneteiro da Polícia Militar, dono de um toque claro e afinado que lhe valeu o apelido de “Bico de Aço”. Foi presença de destaque tocando seu instrumento nas folias de Momo em Natal durante anos, quando era disputadíssimo por blocos e orquestras carnavalescos.

Cícero Enfermeiro – Vestimenta branca, cigarro na ponta da piteira, aplicava injeções numa clientela variada e cativa, no tempo em que enfermeiro era uma raridade em Natal. Todo adolescente portador de doença venérea sabia o endereço certo para encontrar a cura: o consultório de Ciço na Princesa Isabel.

Manoel – Se hoje é difícil encontrar um anão pela cidade, imagine isso no século passado. O nosso anão fazia ponto na entrada do Cine Rio Grande, na Cidade Alta, vendendo os bombons do patrão João (Confeitaria Mirim), num tabuleiro portátil. Olhar perspicaz e sempre sorridente cativava os clientes pela delicadeza e simpatia.

Restinho – Tratava-se de um frequentador das festas do Aeroclube. Não parava sentado porque convidava todas as moças desacompanhadas para dançar. Aproximava-se da vítima de mansinho e tascava: “Vamos dançar este restinho?”. O “restinho” aludido era o final da música em andamento naquele momento. Não o incomodava o número de “foras”, pois sempre uma alma piedosa lhe faria par.

José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro civil e escritor – [email protected]

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