Anos atrás, em Natal (RN), Marisé, uma dona de casa exemplar, logo que acordou, falou para Zildo, seu marido, que não havia carne para o almoço. Na véspera, ele esquecera de comprar. Depois do café da manhã, Zildo se dirigiu ao mercado, já arrumado para entrar no trabalho às 8 horas. Disse à esposa que iria rapidamente comprar a carne, e depois iria para a repartição. Funcionário público federal, Zildo cumpria horário de trabalho das 8h às 12h e das 14 às 18h.

Era ótimo filho e irmão, mas como marido e pai, deixava muito a desejar. Era ausente na educação dos filhos, deixando os deveres de casa e reuniões de pais e mestres a cargo da esposa, e tudo o mais que se relacionasse com as crianças. Só parava em casa para comer e dormir. Nos fins de semana, sempre tinha uma desculpa, para fazer hora para o almoço em mesa de bar. Na verdade, Zildo era um boêmio inveterado, e tratava a esposa como uma escrava. A sorte dela era ter ótimas irmãs, que lhe davam total assistência. Muito conservadora e religiosa, Marisé nunca pensou em se separar. Nessa época, as mulheres eram totalmente submissas aos maridos.

Pois bem. Zildo saiu a pé para o mercado, que ficava perto de sua casa, e no caminho ouviu alguém o chamar. Era Hélio, um conhecido deputado estadual, candidato à reeleição, seu vizinho, amigo e companheiro de farra. Em sua caminhonete, o homem o chamou para ir com ele resolver uma bronca, e que logo os dois estariam de volta. Sem saber dar um não a um amigo, principalmente em se tratando de Hélio, Zildo entrou na caminhonete.

O deputado, boêmio igual a Zildo, não iniciava suas atividades diárias sem tomar um gole de conhaque ou outra bebida alcoólica.

Zildo, irresponsável até a medula óssea, sob a influência do vizinho, esqueceu de que o mundo existia e de que em sua casa estava sua esposa, à espera da carne para o almoço.
Hélio tomou a estrada para Ceará-Mirim, e foram os dois para a fazenda de um conhecido político, seu correligionário. Era uma sexta-feira, e haveria uma grande festa nessa fazenda, em comemoração ao aniversário do fazendeiro. À noite, haveria um grandioso comício, onde Hélio também exercitaria seu dom da oratória.

Marisé cozinhou feijão, arroz e legumes, e nada de Zildo chegar com a carne. Mesmo sabendo que o marido não era flor que se cheirasse, a mulher ficou aflita. Como sempre acontecia, telefonou para a casa da sogra e perguntou à cunhada se ele tinha aparecido por lá naquela manhã. Como a resposta foi negativa, tratou de providenciar ovos fritos para completar o almoço dos três filhos, que teriam que ir à Escola. Passou o resto do dia preocupada, temendo algum acidente com Zildo. Afinal, ele era o pai de seus filhos.

Tensa durante todo o dia, Marisé viu anoitecer sem que o marido entrasse em casa. Voltou, então, a ligar para a casa da sogra para comentar o desaparecimento de Zildo e as duas cunhadas ficaram em polvorosa. A sogra, muito idosa, foi poupada de mais essa preocupação provocada pelo filho caçula.

Zildo só chegou em casa dois dias depois. Marisé ouviu quando a caminhonete do vizinho estacionou na frente da casa e dela saíram os dois amigos.

Com a cara mais cínica do mundo, Zildo disse que tinha ido com Hélio participar de comícios em Ceará-Mirim e outras pequenas cidades da redondeza. Nem sequer falou da carne que tinha saído para comprar.

Aos trancos e barrancos, o casamento de Marisé e Zildo durou, ou se arrastou, até que a morte os separasse.

Violante Pimentel  –  Escritora

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