O VELHO ENGENHO –

Década de cinqüenta, início dos anos sessenta. Terminado o período escolar, mala pronta para passar as férias no Engenho Boa Vista de propriedade do avô Jorge Silva.

 Uma festa. Quando vovô, era vivo, ele ia nos pegar em nossas casas e viajávamos – irmãos e primos- em seu Plymouth ano 58. Depois de sua morte íamos de trem, com papai ou com os tios Manoel Coelho (Nuca) e Jorge Coelho.

O engenho ficava no município de São José de Mipibú, distante 40 km de Natal. A estrada na época não era pavimentada, revestida parte de piçarra ou piçarro e areia. No inverno formavam-se grandes poças de água, os veículos passavam por dentro delas e às vezes saiam um pouco da estrada adentrando na mata.

Antes da chegada, descíamos uma ladeira grande de um revestimento argiloso. Época de chuva escorregava muito, às vezes até á cavalo era ruim trafegar. Para quem chegava, a esquerda da ladeira ficava o Barracão de mantimentos, a entrada para o engenho Olho d’água de João Dantas, à direita a fazenda de Dom João marchante em Parnamirim.

A moagem da cana ficava uns 100 m da porteira principal. Composta de um prédio cujo telhado era seis águas. Ali se fazia a cachaça e tirava o mel para fazer açúcar bruto, que a gente chamava de açúcar preto. A direita da porteira, logo na entrada ficava uma igrejinha, que vivia fechada, vez por outra se abriam todas as portas para tirar os morcegos de dentro dela. Um pouco adiante a casa grande, toda alpendrada. Vizinha a moagem ficava a oficina e deposito de ferramentas e peças. (facões, pás, enxadas etc.)

Os primos mais assíduos nessas viagens eram: Sérgio Coelho de Melo Lima, Maurício Maia, Olavo João Galvão Filho, Rivaldo e Jorge Guimarães. A gente gostava tanto do Engenho, que quando adolescentes íamos sozinhos e fazíamos a nossa comida.

O tio Manoel Coelho tinha um cavalo muito bonito, marrom com as patas brancas, por isso se chamava Meias Brancas e servia de montaria para os primos, já que eu e Sérgio tínhamos os nossos. O trato com os animais tinha que ter muito zelo senão não se montava mais

Vovô nos levava todos os dias, ás cinco horas da manhã, para tomarmos leite cru na vacaria. Nessa época, juntavam-se ao nosso grupo os primos: Roberto Coelho, José Maria Leal, Luiz Guimarães, Fred e Fernando Galvão.  Entre a vacaria e a casa grande, ficava o Armazém de Açúcar bruto e o Curral Grande. No pátio, a bagaceira jogada pelo chão ou empilhada em formas de pirâmides, que devido à diferença de temperatura da base (ainda permanecia aquecida pela manhã) e do vértice saía uma fumaça em forma quase linear, que meu avô dizia ser os velhos “cachimbeiros” que pegavam as crianças que aproximassem dali. Ele fazia isto, para não perder o controle do grupo, que ainda era acrescido de algumas primas.

Cresci e estou envelhecendo com velho engenho dentro de mim. Hoje não existe mais, só a terra, mas, ainda está vivo comigo.

A paisagem das cheias dos rios Trairi e Araraí, o gado pastando, à volta para o curral, (saía pela manhã e voltava à tardinha) as “badaladas” do relógio de ferro, que anunciava para todos, ás horas do dia. Existiam moradores que praticamente faziam parte da família. Chico Tanoeiro tratava a gente com muito carinho e era o administrador do Barracão. Nas horas vagas contador de estórias. João Redondo fazia a parte de recreação da meninada, com brincadeiras, entre elas um João Redondo com bonecos de pano. Simão Carabina, um lavrador muito educado, que embora lutasse com dificuldade para se manter, nos meses de festas, ele sempre chegava lá em casa, e nas casas da família, com alguma colheita feita no seu terreno. Penteado era um morador franzino, que se casou com uma senhora grande e gorda que parecia uma lutadora de sumô. O pobre do Penteado vez por outra levava uma surra, aí corria lá pra casa, ou de algum parente. Foi com eles que aprendi comer com a mão e em panela de barro.

 Hoje além das lembranças, resta a imagem do engenho em um quadro na sala da minha casa, pintado por Tia Silvinha.

 

Guga Coelho Leal – Engenheiro e escritor

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