Em toda cidade do interior nordestino, sempre houve pessoas engraçadas ou esquisitas, que, com o tempo, passavam a fazer parte do folclore local. Eram bêbados de cana dormida, homens e mulheres viciados no jogo do bicho, cornos mansos e convencidos, para os quais as esposas eram umas santas, “mulheres da vida”, que não aguentavam um desaforo e abriam o verbo no meio da rua, brigando com rivais, mendigos bem humorados, que quando recebiam uma esmola diziam: ” Deus te livre da praga do mau vizinho”, e até algum idoso irritado e irreverente, que a toda hora dizia palavrão.

Antigamente, em algumas cidades do interior, onde não havia água nem energia elétrica, a notícia mais esperada do dia era o resultado do jogo do bicho. Havia sempre os felizardos, que ganhavam constantemente e outros desprotegidos da sorte, que sempre perdiam.

O jogo do bicho, mesmo tido como contravenção penal no Art. 58 da Lei das Contravenções Penais – Decreto Lei 3688/41, sempre foi uma prática comum, na capital e no interior.

Na época em que não existiam loterias legalizadas, como as atuais Loteria Federal, Loteria Esportiva, Mega-Sena, Quina-Loteria, Lotomania, Lotofácil e outros jogos do mesmo gênero, era o jogo do bicho que proporcionava prêmios e alegrias aos jogadores, como também prejuízos financeiros e morais.

Considerado jogo de azar, como as demais loterias, o prêmio do jogo do bicho depende, unicamente, da sorte e não da capacidade do jogador, como acontece em jogos de cartas. Nesses, a vitória depende da habilidade do jogador, apesar da sorte também influir.

A história do jogo do bicho teve origem no Rio de Janeiro, quando o barão João Batista Vianna Drummond o idealizou, em 1892, para entreter e conquistar mais visitantes para o zoológico – conhecido hoje como Jardim Zoológico do Rio de Janeiro -, do qual era proprietário, e que se encontrava à beira da falência.

Os ingressos eram associados a uma das 25 espécies de animais, de acordo com seus dois últimos números, dentro de 100 opções de dezenas. Com estes números era realizado um sorteio e o vencedor tinha direito a uma parte do valor dos ingressos vendidos.

Pois bem. Zé de Valda, 38 anos, um homem humilde, de uma cidade do interior nordestino, era viciado no jogo do bicho. Sobrevivia, junto com a esposa Valda e um filho pequeno, fazendo biscates. Cortava lenha, limpava quintal, descarregava caminhões e fazia quaisquer outros serviços pesados. Entretanto, não deixava de fazer uma “fezinha” no jogo do bicho, diariamente. Jogava pouco, mas não desistia. Amanhecia o dia à procura de palpites, querendo saber quem havia sonhado com alguma coisa significativa, pois ele saberia decifrar, para jogar no bicho. E às vezes, dava certo. Se alguém sonhava com coco, era “batata”! Ele decifrava na hora:

– Ora, coco partido vira quenga. Quenga é mulher ruim; mulher ruim é galinha e quem gosta de galinha é o galo!!! Jogava no galo e sempre acertava!

Quando ganhava no bicho, a primeira coisa que Zé de Valda fazia era comprar uma garrafa de cachaça, para comemorar com os amigos. No dia seguinte, jogava novamente e o bicho comia tudo. Perdia o restante do prêmio.

Uma vez, a sorte lhe sorriu com vontade e Zé de Valda ganhou no grupo, centena e milhar. Para ele, foi muito dinheiro. Eufórico, separou o dinheiro da cachaça, para festejar com os amigos, e escondeu o restante, para as necessidades da família.

Curiosos, os companheiros de copo quiseram saber que palpite danado de bom tinha sido esse, que fez com que ele se garantisse, e pudesse tirar o “pé da lama” durante alguns meses.

Zé de Valda, que havia jurado para si mesmo, não contar a ninguém o sonho que tivera, depois da terceira bicada não se controlou e fez a revelação:

– Passei a noite toda sonhando com um caminhão, carregado de pão. Era tanto pão, que dava pra matar a fome da pobreza da cidade. No sonho, eu não parava de comer pão. Quando acordei, senti o bucho inchado, como se estivesse empanzinado. Corri para o banheiro, e lá fiquei até melhorar. Depois, cuidei de tirar vantagem desse sonho, que foi mais um pesadelo. Botei a cachola pra pensar e matei a charada:

Com que é que se faz pão? Não é com farinha de “tigre” (trigo)?

E joguei todo o dinheiro que eu tinha no “Tigre”! E o bicho me ajudou!!!

Violante PimentelEscritora

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