Tributino, 40 anos, era um tipo bonitão, bem parecido e com uma lábia impressionante. Namorava muito, mas não se ligava a nenhuma mulher. Muito falante e educado, não perdia oportunidade de aplicar golpes em pessoas conhecidas e desconhecidas. Vivia de biscates, e de bajular políticos.

Em Nova-Cruz, anos atrás, enganava a Deus e ao mundo. Filho da terra, ninguém acreditava mais em suas enroladas. Se pedisse 100 cruzeiros emprestados a alguém, não conseguia. Era capaz de receber, dados, ao menos 10 cruzeiros, para que não ficasse enchendo o saco de ninguém. Quanto mais o tempo passava, mais caloteiro se tornava. Não roubava, mas sabia pedir, que dava gosto. E não pagava nem promessa a santo.

Certa vez, pegou o trem das dez horas em Nova-Cruz e viajou até Guarabira (Pb), para voltar à noite. Nova-Cruz, “capital” do Agreste do Rio Grande do Norte, faz fronteira com a Paraíba, e nessa época trafegava por lá, diariamente, o trem da Rede Ferroviária Federal, de Natal para Recife e de Recife para Natal.

Em Guarabira, Tributino se dirigiu ao armazém de secos e molhados de Seu João Batista e disse que queria pagar uma conta sua, que há um mês tinha deixado ali “pendurada.” O dono não se lembrava desse freguês e depois de procurar o nome de Tributino da Silva no caderno de Fiados, convenceu-se de que se tratava de um equívoco. Entretanto, Tributino insistiu muito, e disse que o valor da compra tinha sido de 80 cruzeiros, e que fazia questão de pagar. Disse que detestava dever. Herdara do pai o dom da honestidade.

O dono do armazém foi obrigado a pensar na possibilidade dessa compra ter sido feita ao seu filho Juninho, num momento em que não se encontrava no estabelecimento comercial. Certamente, o rapaz esquecera de anotar. Para dar a conversa por encerrada, Seu João Batista recebeu os 80 cruzeiros e o freguês se mandou.

No final do horário comercial, perto das 17 horas, Tributino voltou ao armazém de Seu João Batista, trazendo nas mãos dois sacos vazios enormes, e uma relação de mercadorias para comprar. O velho comerciante o atendeu, feliz por estar diante de um freguês daquele quilate. Fez a conta com um lápis no caderno próprio, e o valor total da compra somou 480 cruzeiros. Tributino, então, que já tinha comprovado sua honestidade, ao pagar 80 cruzeiros, referentes a uma compra que o credor desconhecia, pediu-lhe que anotasse o valor da compra atual, prometendo-lhe voltar na próxima semana, para efetuar o pagamento.

Satisfeito com a excelente venda, o comerciante não hesitou em concordar com o pedido do freguês, mesmo diante da entrega imediata da mercadoria. Afinal, esse freguês era nota dez, e já tinha dado provas de que era um cabra de moral, decente e honesto. Portanto, essa dívida, agora registrada no caderno de Fiados, era dinheiro certo.

Tributino se despediu do dono do armazém cordialmente, agradecendo-lhe a confiança. Garantiu-lhe que, na próxima semana, pagar-lhe-ia essa conta. Retornou a Nova-Cruz no trem das 19:00 h.

A despedida foi pra valer. Nunca mais Tributino voltou ao armazém de Seu João Batista. A conta ficou no tinteiro!!! A página do caderno de Fiados amarelou e o “honesto” freguês nunca mais apareceu.

Violante Pimentel – Escritora

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