NOVENTA –

Acordei hoje lembrando-me que estou chegando bem perto dos noventa. Isso, na realidade, não me incomoda. Envelhecer faz parte da vida, e já dizia Churchill muito bem que a alternativa é muito pior. Claro que é. Meu amigo Alvamar dizia que a característica marcante de um velho era andando com passinhos curtos, bunda murcha com os fundos das calças frouxas, e um bonezinho pendurado na cabeça. Tudo isso é verdade. Tomo cuidado para não parecer assim.

O que me choca mais é ver o descuido de alguns velhos com a própria postura. Tinha um amigo de meu pai, gente boa, bom papo, que relaxou. Ficou meio gagá, começou a descuidar-se com o vestir, roupa suja e, às vezes, até malcheiroso. Da última vez que o encontrei estava com uma camisas chinfrim, toda marcada com pingos de café, de sopa, de feijão, que parecia uma mesa de cozinha suja. Fiquei com pena dele e nunca me esqueci disso. Tenho um cuidado enorme para isso não acontecer comigo.

Garanto que não é fácil. A idade vai diminuindo nossa coordenação, o garfo parece ter ficado pequeno, as xícaras parecem furadas, os pratos menores, e o risco de você se sujar aumenta. Tenho um cuidado danado, mas, de vez em quando, isso ocorre comigo. A primeira coisa que faço é mudar a camisa. Andar sujo ou malcheiroso não é comigo.

Alguns dos problemas você não controla, mesmo que faça o maior esforço. As dores no corpo são permanentes e para você fazer de conta que não está sentindo nada precisa de um enorme esforço. Levantar da cadeira, sair do carro, andar ligeiro, são coisas que lhe atormentam. A perda de audição também chateia. Existem esses aparelhos auditivos que ajudam muito, mas, mais das vezes, você escuta tudo que não quer e nada do que quer. Especialmente num ambiente barulhento – nossos restaurantes, por exemplo, onde só quem fala baixo é o garçom. Afora esses probleminhas idiotas, nada melhor do que uma vida longa. Não me queixo de nada. Apenas comento, até em tom jocoso, pois é mesmo divertido.

E faço o que gosto. Estou diminuindo minha preocupação com horários, não aceito mais convites chatos, pois mais bem que queira as pessoas que me convidam, não vou a casamento, velório, missa. Na minha idade, tenho direitos inalienáveis que eu mesmo determino. E algumas obrigações a que me dedico de corpo e alma.

Tomar meu whisky, ouvir as músicas que gosto, assistir os programas que me apetecem, um copo de vinho no almoço, são coisas que faço quando tenho vontade. E gosto muito de conversar com certos amigos, especialmente da minha geração, em número cada vez mais reduzido, muitos dos quais converso na internet. Como eu, não ficaram ultrapassados e acompanham as novidades boas que aparecem. Assim é a vida, essa é a melhor forma de aceita-la e conviver com ela. “Never surrender”, dizia Churchill. É o meu lema, nunca se entregar.

 

 

Dalton Mello de Andrade – Escritor, ex-secretário da Educação do RN

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