NEM TUDO É TRISTEZA –

Conheci Jesualdo na infância, sempre adepto da conversa fácil. Para todos os assuntos abordados, possuía uma, mas com o enredo ampliado. Bastava escutar o “mote” e já ativava o modo contador de aventuras e despejava palavras por todos os lados.

Sabedor do falecimento de minha mãe, ligou para oferecer um abraço. Quando iniciei a relatar a experiência, ele imediatamente interrompeu para contar as suas. E começou falando: “Rostand você não acredita; logo após a morte de meu pai, iniciei o processo de cancelamento de cartões de crédito e assinaturas diversas.”

“Maria, minha secretária”, continuou ele; “ficou responsável por dar baixa em tais vínculos. Certo dia, ela falou que a operadora do telefone fixo, só aceitaria encerrar a conta, sendo o pedido formulado pelo proprietário. Eu mesmo, me identificando como filho, tentei cancelamento contando da morte acontecida. A resposta foi sempre negativa, afirmando que nesse caso, somente judicialmente poderia viabilizar o pleito.”

“Momentos depois, com tudo planejado em minha mente, a assistente, ligou para a operadora e falou que ia transferir a ligação para o dono, solicitando que tivesse paciência pois se tratava de cidadão bem velhinho. Ao receber o fone, ouvi uma enxurrada de questionamentos tais como: endereço e data do nascimento. Respondi: fale mais alto, não escuto. Após duas tentativas vindas do outro lado da linha, informei os dados e ainda afirmei possuir 100 anos, pois havia nascido em 1920. E completei: minha filha espere um pouco pois estou com vontade de urinar e beber água.”

“Maria usando o celular, solicitou que a atendente, tivesse paciência, pois eu era abestadinho, mas entendia tudo. Tendo retomado o diálogo, a voz perguntou o nome de meu pai. Eu gritei: menina, ela quer saber o nome de pai… minutos depois informei também o de mãe, para poupar tempo. A responsável pela entrevista, cinquenta minutos depois de um bate papo até certo ponto hilário e com muitos simulados intervalos para tomar água e ida ao banheiro, finalmente consegui cancelar o vínculo desejado.”

Nem tive tempo para dizer: que coisa!!! Quando Jesualdo emendou: “pior ocorreu quando, semana seguinte ao enterro, estávamos desarrumando o apartamento de papai, cada um com uma tarefa, quando meu genro, chegou mostrando um par de algemas que houvera encontrado em uma das gavetas do gabinete.”

“De repente, quando menos esperei, para testar a geringonça, ele colocou uma das argolas em meu punho, travando-a. Eu estava sentado no chão olhando fotografias antigas enquanto ele tentava abrir a peça para me soltar. Por incrível que pareça, as duas chaves que possuía, quebraram. A cena foi interessante: eu algemado e ele repetindo: foi mal.”

“Era noite de domingo. Saímos cidade afora em busca de um chaveiro, que quando viu o ocorrido, perguntou: vocês estavam brincando de que? Para em seguida, com um sorriso safado, facilmente abrir o apetrecho com um grampo de cabelo que ele chamou de berilo, ao tempo em que se oferecia para confeccionar chaves resistentes, para que a agonia não se repetisse.”

E assim, antes que uma outra aventura fosse contada, me despedi de Jesualdo, grato pelos votos de pesar oferecidos.

 

 

 

 

Alberto Rostand Lanverly – Presidente da Academia Alagoana de Letras e Filho de Marlene Lanverly

 

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