MISOGINIA –

​Há cerca de 20 ou 30 anos escrevi uma crônica com o título acima. Nos dias atuais, setembro de 2021,foi notícia um morador de um condomínio se perturbar com cenas de topless num apartamento próximo ao seu. Chegou a chamar a polícia. Não vou me deter no caso, vou apenas transcrever alguns trechos da antiga crônica, com alguns comentários.

Um caso explícito de misoginia (desprezo, aversão, repulsa mórbida às mulheres) ocorreu recentemente em Natal. Um jornal estampou, na primeira página, várias fotos de uma estudante, de l8anos, fazendo um topless na praia de Ponta Negra. Na época era permitido alugar cavalos para fazer passeios pela orla. A jovem não se fez de rogada e exibiu uma bela cavalgada. Lembrou-me Lady Godiva: A bela Lady Godiva teve pena do povo de Coventry, que sofria com os altos impostos do marido. Tanto apelou ao duque, que ele aceitou conceder alterações e reduzir os impostos, mas sob uma condição: que ela cavalgasse nua pelas ruas de Coventry. E assim ela fez em benefício do povo de Coventry.

Não só o repórter ficou indignado com a cena da nossa Lady Godiva tupiniquim como um delegado resolveu indiciar a moça por ato obsceno, artigo 233 do código penal: “Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa”.

​Era só o que faltava!

​A estudante exibiu-se, o jornal documentou, o delegado está processando-a. A autoridade deveria indiciar também o periódico que divulgou e continua usando a imagem da moça que teria praticado o ato obsceno. Se o ato é tão obsceno assim, por que o informativo continua repetindo as fotos? O jornal está perpetuando um ato efêmero, rápido, passageiro, que, eventualmente, teria ferido o pudor de algum puritano. Alega-se que teriam crianças no local. Ora, crianças costumam tomar banho de mar despidas e não se chocariam, nem muito menos se sentiriam ofendidas, em ver adultos da mesma forma.

​Tenho presenciado, inúmeras vezes, estrangeiras em Ponta Negra praticando o topless, sem que ninguém se perturbe com o fato. Por que essa marcação com a nativa? Que falso puritanismo é esse?
​Por que toda essa indignação com o comportamento da moça, quando existem coisas mais sérias para se preocupar?

A moça estaria espantando os turistas com as suas mamas desafiando a gravidade? Ou os menores abandonados, os pedintes, os esgotos a céu aberto não mereceriam uma preocupação maior do poder público e da imprensa?
​O repórter e o delegado deveriam receber a pena de passar um ano visitando as praias do sul da Europa, a Côte d’Azur, a riviera portuguesa, espanhola, francesa e italiana, com Ibiza, Cannes, Nice, e companhia, onde mulheres de todas as idades praticam a exposição solar das mamas, sem o menor constrangimento a quem quer que seja. Cá, no trópico de capricórnio, o costume é expor aos raios solares a região glútea, sem que isso represente nenhuma ofensa a um ser humano normal, sem a terrível doença da misoginia.

​Há um senhor que, habitualmente, desfila com minúsculo tapa-sexo pelas areias de Ponta Negra. Nesse caso, sim, um atentado ao bom gosto, à plástica, à natureza, à beleza, à harmonia. Mas o respeito à liberdade nunca levou ninguém a indiciá-lo por ato obsceno. Comparativamente, essa seria uma agressão muito maior, pela simples análise do impacto visual,​do que a performance da moça.

​Temos certeza de que a liberdade, o direito de ir e vir, a pé ou a cavalo, com ou sem a parte de cima do biquini, será preservado, assim como tem sido das estrangeiras que por aqui desfilam.
​Certo dia caminhávamos, eu e Ricardo Cabral, na praia de Ponta Negra, nas imediações do Morro do Careca. Nesse dia eram muitas as turistas estrangeiras praticando o topless. Paramos numa barraca para tomar uma cerveja.

Comentei com Ricardo:

​- Veja como estamos evoluídos, os vendedores ambulantes, os banhistas, todos estão encarando com absoluta tranquilidade!

​Havia um senhor de idade que não admitia que ninguém ficasse na frente dele, logo reclamava e solicitava que saísse do meio… Ricardo não fez por menos:

​- É verdade. Com exceção de nós dois e daquele senhor que não deixa ninguém ficar na frente, está todo mundo muito normal…

 

 

 

 

 

 

Armando Negreiros – Médico e Escritor, [email protected]
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