MENTIRAS DOURADAS –

Todo homem é mentiroso (salmo 116.11). Será exagero bíblico o omnis homo mendax? Ninguém no mundo deixa de dizer que fala a verdade. Perguntado por Pilatos o que é a verdade, Jesus Cristo, com divina sabedoria, deu o silêncio por resposta. A mentira é mais frequente, conhecida e antiga. A primeira da história teria sido a da cobra (o diabo disfarçado), que disse a Eva que ela não morreria se comesse do fruto proibido.

A mídia nos bombardeia com a falsa excelência de produtos e serviços, propaganda enganosa. Mesmo assim, muitas vezes, acreditamos nela. Traduções literárias nem sempre são fidedignas. Há testemunhas que mentem em juízo.

Em face da dura realidade, dizemos mentiras benevolentes, piedosas. A ânsia de agradar produz elogios imerecidos. São coisas próprias do espírito humano.

Conhecemos mentirosos patológicos (pessoas que têm compulsão para inventar inverdades). Ao lado disso, nesses tempos de conectividade, exercita-se a arte de iludir com narrativas resplandecentes. Aqui destaco três tipos de mentiras douradas: a de autoria atribuída a ícones, a pós-verdade e a fanfiction, ficção de fã.

A primeira delas é a que “escritores” produzem textos brilhantes, em prosa ou poesia, e atribuem a autoria a celebridades. Nascem frases jamais escritas por Shakespeare, Albert Einsten, Jorge Luís Borges ou o Papa Francisco. Entre nós, dentre tantos outros, multiplicam-se falsas citações de Clarice Lispector e Mário Quintana.

Leitor de Jorge Luís Borges, fiquei triste quando Mário Kodama atestou, não era dele o poema “Instantes”: “Se eu pudesse viver novamente a minha vida / Na próxima trataria de cometer mais erros / Não tentaria ser tão perfeito, erraria mais”. E conclui dizendo que: “Se voltasse a viver, viajaria mais leve”. E ainda… “tenho 85 anos e estou morrendo”. Na verdade, Borges faleceu aos 86 anos.

Foi atribuída ao Papa Francisco, no dia dos mortos, a frase: “O ser humano é estranho… Briga com os vivos e leva flores para os mortos”.

A pós-verdade – the post truth – foi escolhida pela Universidade de Oxford como a palavra do ano de 2016. O adjetivo indica que fatos objetivos influenciam menos para mudar a opinião pública do que o apelo à emoção e às crenças arraigadas. O exemplo mais poderoso é o de Trump, que foi eleito presidente dos EUA inventando mentiras, como, por exemplo, a de que Obama tinha dado início ao Estado Islâmico e, mais, que teria sido “grampeado” por ele. Os colégios eleitorais americanos ficaram indiferentes à verdade. Essas mentiras douradas circularam com enorme velocidade e os eleitores deram preferência a quem manipulou bem a emoção e as crendices populares.

A fanfiction é a criação de personagens e histórias paralelos à realidade. Os fãs não se conformam com o término da obra artística e criam um mundo paralelo ao original de filmes, livros, música e teatro. Por exemplo, o livro “50 Tons de Cinza” é recriado no whatsapp para celulares, tablets, computadores. É como uma febre. Os escritores, muitas vezes, são adolescentes. Fanfiction chamada After teria alcançado um bilhão de seguidores. Os novos autores fazem autopublicação em capítulos que se consolidam em e-books. Na verdade, são best sellers essas ficções, mentiras douradas. As editoras estão de olho nessa nova ficção, aproveita os fãs e fazem tiragens de muitos mil de exemplares.

Qualifiquei essas mentiras de douradas lembrando-me do que o povo nos ensina: nem tudo que reluz é ouro.

O escritor português José Pereira Coutinho acredita que um pouco de mentira é condição básica da sanidade, ou seja, não é inteiramente sã quem não mente. E ele acrescenta que um pouco de mentira pode ser necessário para uma vida feliz – Será mesmo?

Quando a mentira será restrita ao primeiro de Abril?

 

Diogenes da Cunha LimaAdvogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

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