MARCO POLO EM FIM DE ANO –
As viagens só se completam quando podem ser contadas a alguém. Feitos os orgasmos masculinos da terceira idade, quando o bom mesmo é espalhar o feito, pois na maioria das vezes, velho não goza, tem susto, isto sim. Quase já sem jet lag, longe dos shoppings (algo inevitável quando se tem uma mulher ao lado) dos abundantes pequenos almoços de fazer arrepiar um Vegano; sem as inquietações justas em se escolher um bom restaurante e um bom vinho, acabados os rolés a pé; afastado das multidões a admirar templos e museus, a gente começa a se cansar, também, com a fadiga dos outros. O imaginário turístico contempla a procura de um lugar, o encontro de si e dos outros. Ao fim e ao cabo, a busca do Graal, a idéia ancestral da peregrinação, o único turismo que precedeu as viagens aristocráticas a partir do século XVIII. Das emoções do antes, do durante, e do depois, só as últimas me encantam mesmo, já estirado numa rede cá em casa, incapaz de esquecer coisas hilárias.
 
Alô? Sim, estou cá à vossa disposição (difícil até de entender a frase inteira por conta do sotaque lusitano e a velocidade do som a atropelar as sílabas). Não consigo contatar o room service. Mas, claro está, é impossível. Como impossível, sou hóspede do hotel. Estou a perceber, estás a chamar do 320 mas, repito, é impossível. Posso, no entanto, completar a vossa ligação daqui. Faça isto, então, obrigado. Não ha de quê, senhor. Alô, room service ao vosso dispor. Gostaria de um sanduíche de queijo e uma coca-cola zero,  por favor. Não é possíve, senhor. Quantas estrelas tem este hotel, minha senhora? Gostaria de vos informar que estás a falar com um homem. Desculpa aí. Não há de quê. Quatro estrelas senhor. E não tem coca zero disponível? Tem, sim, mas só através do frigobar. Eu sou um cocacólatra, senhora. Mais uma vez informo que não é a uma senhora a quem estás a falar, está bem? Está bem, mil desculpas, mas é que o senhor tem um tom de voz soprano. Suponho que o senhor saberia o que vem a ser um soprano. Sim, estou a perceber, ouço óperas nas horas vagas. Pois, não, aliás, pois sim.
 
Façamos então o seguinte, água mineral sem gás, pode ser? Pode sim, senhor. Apesar do frigobar está cheio delas ? Mas pode, senhor. Anote aí, então, uma garrafa de água mineral de um litro. Anotado, que mais, senhor? E o sanduíche de queijo? Já lhe informei que não disponibilizamos sandes de queijo. Existe alguma outra alternativa? Sim, o sande Califórnia: pão, queijo, ovo, bife de vazio, presunto, alface e tomate. E cabe tudo dentro de um pão? Cabe com certeza, senhor. Ok, então faça o seguinte: traga-me um sand Califórnia e descarte tudo que vem nele, a não ser o pão e o queijo. Meu Deus, não pode, senhor, como os senhores brasileiros insistem em pedir-nos coisas impossíveis de fazer!
 
A voz dele começava a baritonizar em tom de protesto. Foi quando tive a ideia. O senhor tem ovos? Sim. E tem arroz, também? Claro está que temos. Faça o seguinte, uma porção de arroz. Podemos levar até o senhor uma dose de arroz. Tudo bem, uma dose de arroz. E dois ovos cozidos. Ovos cozidos só no bar, como petiscos. E ovos estrelados? Ah isto sim, com certeza. Então, uma dose de arroz, dois ovos estrelados e uma água mineral sem gás de um litro. Forma de pagamento, senhor? Débito em conta. Impossível. Cash? Também não. Mas existe uma outra possibilidade, debitar o seu cartão de crédito mediante a assinatura na conta que enviarei. Mas para isto o senhor deveria cadastrar o vosso cartão na portaria do hotel. Mas eu já fiz isto. Então tudo bem. Boa noite. Boa noite.
 
Mais engraçado ainda, é quando brasileiros em turma tomam num boteco as primeiras doses de chopp e o garçom de braços cruzados em meio a algazarra gentilmente e à guisa de “ outra rodada, então?” expõe o risível, “o que ainda estão a fazer aí”? Claro tem muito mais coisa que não caberia numa lauda e meia de papel A4. Surpresas para uns algo Dantescas (Fellinianas para outros) acontecem. Decidam. Meio em pé, em pleno pré-orgasmo, na beirada oposta ao espelho da cama, chamando a atenção, suponho, só o perfil da minha exuberante barriga a exercer o inalienável direito de ir e vir, agora transformado num verdadeiro exercício olímpico naquele contínuo e eterno vai-e-vem-e-volta. A porta se abre de repente e a camareira grita de olhos arregalados, desculpa, senhor ! Só deu pra rir e responder no reflexo, tá desculpada, aqui tá ótimo, entra, vem pra cá, meu amor. Porta fechada e o som dos repetidos “mil desculpas, mil desculpas, senhor” seguiu a morrer no corredor. Gargalhamos. Eis aí um verdadeiro exemplo, inusitado e abrangente de um orgasmo-susto.
 
Após a batalha descemos para fumar um Camel blue na calçada . Foi quando o elevador emperrou por meia hora mais ou menos. Restou apenas bater papo e acionar a câmera do Iphone inúmeras vezes, através da porta de vidro pra documentar o protocolo do conserto e o resgate de nós, os sobreviventes. Fomos informados que deveríamos deletar as fotos e /ou gravações, que era incorreto e ilegal tirar fotos de funcionários nessas circunstâncias. Correto, então, seria ficarmos presos nesta joça por tanto tempo sem ter o que fazer? O senhor não acharia que a imposição feita pelo hotel não seria simplesmente falta de respeito e consideração? Ora vão à merda! A loquacidade deles não foi em frente. Ficou limitada a um simples e acanhado pedido de desculpa pelo transtorno. Fumamos na calçada do hotel. O frio e a calma da cidade também foram um bálsamo. Dormimos um sono de pedra na volta ao quarto. Mas nada pra mim empanará o brilho dessa “Lisboa velha cidade cheia de encanto e beleza …”. É que eu adoro aquilo lá. Onde tudo é giro, pá!

José Delfino – Médico, músico e poeta.

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