MÁRCIO MARINHO –

Estava sentado a beira mar na enseada de Cotovelo, esperando os primeiros raios de sol, ouvindo a canção da vida. Meus pensamentos iam e voltavam como acompanhando os movimentos das ondas.  Com o olhar fixo para céu procurei conversar com Deus, parei uns cinco minutos e voltei aos meus pensamentos. Olhei para o mar e notei que se aproximava de mim um belo corpo de mulher, sai dos meus pensamentos e passei a observá-la. Era muito bonita, por pouco tempo comecei a ver a beleza e poesia da vida, na beleza de uma bela mulher. Completavam o cenário o céu e o mar. Passei a fitá-la, observei como bom “mulherista” que já não era tão jovem, mas ainda era bela. Passei a imaginar, quando jovem, quando velhinha, e porque tudo que é belo um dia tem fim, por que ela teria que envelhecer. Comecei a lê dentro de mim a poesia da vida.

Lembrei-me dos versos e musica de Edu Lobo e Torquato Neto. “Adeus / Vou pra não voltar / E onde quer que vá / Sei que vou sozinho. Tão sozinho amor / Nem é bom pensar / Que não volto mais / Desse meu caminho”. Pensei no caminho da ida. Ali naquele momento, ainda quando fitava a bela mulher, vem de imediato à lembrança do poeta e amigo Márcio Marinho, como se ele tivesse chegado e sentado ao meu lado, dado os primeiros acordes no seu violão e perguntado: É isto mesmo que vamos cantar? Esqueci por algum tempo a beleza da mulher e voltei o pensamento para o amigo, que foi para não voltar, mas que certamente não está só, pra nós que ficamos os bons não morrem. Para mim e seus amigos, ele ainda esta vivo na nossa lembrança.

  Como era bonito e alegre quando ele chegava em minha casa com o violão em baixo do braço. Ali passava horas a cantar, acompanhado de seu escudeiro e bom amigo José Alves, o nosso Zé Boré. Márcio era um gentleman, seu único erro para mim, foi ser político, não existe poesia na política, Márcio era um sentimental.

Certa vez ele chegou lá em casa, acompanhado de Boré. Estava conosco a querida amiga Marta Araújo, amiga de Márcio de infância. Como a leveza de uma pluma, cantou de sua autoria, feita naquele momento musica e letra para Marta. Interessante, Márcio gostava de cantar uma música de Sérgio Sampaio que guardei alguns versos e deles faço a minha filosofia de vida: “Há quem diga que dormi de touca / Que perdi a boca, que eu fugi da briga / Que cai do calho e que não vi saída / Que eu morri de medo quando o pau quebrou / Há quem diga que eu não sei de nada / Que não sou de nada e não peço desculpas / Que eu não tenho culpa e que eu dei bobeira / E que Durango Kid quase me pegou / Eu quero é botar meu bloco na rua / Brincar, botar pra gemer”.

 Percebi que o nosso bloco ainda está na rua, que naquela manhã eu realmente tive a felicidade de cantar a canção da vida. Coloquei meu braço direito na posição imaginaria de apoio em um ombro amigo e subi as escadarias de Cotovelo cantando “Manhã tão bonita manhã, na vida uma nova canção…” Do alto da escadaria olhei os pequenos barcos de pesca, partindo para alto mar, se confundindo com os primeiros raios de sol e a linha do horizonte e num gesto tímido dei com a mão. Talvez o meu bom amigo estivesse retornando para o seu caminho. Mas naquele instante aprendi que a eterna beleza da vida está dentro de cada um, é uma canção, cabe exclusivamente a nós, torná-la a mais bela.

 

 

Guga Coelho Leal – Engenheiro e escritor, membro do IHGRN

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