JILÓ –

Escolher a maneira de dizer o que se pensa é um risco calculado. Escrever, então, um artesanato complicado. Quando alguém me indaga se sou feliz, e isso acontece vez ou outra, invariavelmente digo que sim; pois não vem muito a propósito a gente se declarar infeliz. Não é mesmo? Só depois é que sinto o impacto da agudez da colocação precipitada; da falta de hesitação em me expor tão abertamente assim. E logo vêm aquelas batidas de nós de dedos imaginários na parede do cérebro. Mas, já que foi dito, seguro a barra. Sabe por que? Porque sempre, e principalmente num fim de ano que procura sentido, é preciso estar atento; ter um pouquinho de talento e sorte na procura do sentido real da felicidade. Ou seja, subtrair da vida um pouco mais do que o prazer, junto com o risco dela acabar de uma hora pra outra.

Na intimidade da maioria das situações cotidianas, principalmente a dois, a gradação do entendimento às vezes afoga num mar de suposições. Afinal, somos todos nós receptáculos de surpresas e segredos insondáveis. E a tal da caixinha de pandora que existe em cada um de nós, se abre às vezes sem volta. Intermitentes paroxismos de bondade, candura e afeto acontecem, como os que surgem e rapidamente desaparecem todos os fins de ano nas sociedades ditas cristãs. Eles ajuízam intenções para o novo ano que se aproxima e sempre variam. Afinal, é difícil saber avaliar com precisão o que vai na cabeça do outro.

Eis um exemplo sutil da tal dificuldade. Como foi a tua noite, amiga ? Um desastre. Ele chegou em casa. Jantou ligeirinho. Fizemos sexo uns dois minutos. Logo após, ele roncava. Ah!, a minha foi fantástica! Ele chegou e me levou pra jantar. Voltamos a pé, de mãozinhas dadas. Em casa, transamos durante bem uma hora e após, conversamos mais ainda.

Como foi o teu dia ontem, cara? Perfeito. O jantar já estava na mesa. Dei uma rapidinha e dormi feito pedra. Pois o meu, irmão, foi uma catástrofe. Cheguei em casa e estava faltando luz. Tive que levá-la pra jantar fora. Alisei. Faltou grana pro táxi de volta. Tivemos que voltar andando. Ela nem sacou o lance. Pelo menos, caminhar facilitou a minha digestão. Quando voltamos a luz ainda não havia voltado. Ela acendeu umas velas. Fiquei tão estressado que levei uma hora pra ficar no ponto de dar uma. E pra chegar nos finalmente, quase uma outra hora a mais, meu caro.

Fiquei tão irritado. Tanto é que perdi o sono e tive que aguentar mais uma hora de papo furado, até ela adormecer.
Vejam vocês , leitores , como é complicado. Apesar de tudo , tenho a impressão que ser feliz é nos contentarmos com nossas pequenas felicidades. Sempre com a esperança que elas se repitam. Independentemente das interpretações em contrário. Elas nunca estarão sob controle.

 

 

 

José Delfino – Médico, poeta e músico
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