EMULSÃO DE SCOTT –

Dias atrás, necessitando cortar os pelos do rosto, e verificando que o estoque caseiro de barbeador  havia acabado, resolvi ir à farmácia mais próxima a fim de adquirir o produto. Para minha surpresa, lá chegando, dei de cara com um dos espantalhos de minha infância: nada menos que o xarope Emulsão de Scott.

Recordo-me, como se hoje fosse, quando minha mãe de mim se aproximava, trazendo, em uma das mãos, o frasco de cor marrom, com o rótulo estampado da imagem de um forte pescador, com um peixe quase de seu tamanho às costas, numa alusão ao operador de milagres, o verdadeiro óleo de fígado de bacalhau, que ali se encontrava. De forma carinhosa, dizia: tome só uma colher querido, é para ficar forte. E aquele líquido branco, pastoso, malcheiroso, gosto ruim, descia goela abaixo, na expectativa de que ocorresse a prevenção de doenças diversas.

Flutuando nas lembranças, relacionei o Emulsão de Scott, à época em que meu genitor fazia a barba, diariamente, usando laminas gilete ou navalha que deslizava em sua face,  já repleta de espuma, ali espalhada por pincel de pelos macios, fazendo com que, a qualquer dia do ano, sempre lembrasse a figura de Papai Noel.

Era o tempo em que, habitualmente meu genitor, frequentava o engraxate João, com sua poltrona em um dos corredores laterais da segunda casa do Cônego Hélio Lessa, a Igreja do Livramento, bem defronte ao Bar do Chopp, para onde, normalmente, acorria uma clientela composta de nomes respeitados da sociedade alagoana, que ali buscavam um irretocável brilho nos sapatos.

Nesse mesmo o período, a única lavanderia de Maceió era a Tinturaria Chinesa, na rua Senador Mendonça, para onde, semanalmente, meu ídolo maior se deslocava deixando ou buscando os ternos, de cores variadas, que usava para, como Juiz de Direito, subscrever as inúmeras sentenças que emitiu, ao longo de sua brilhante carreira, como magistrado alagoano. Aproveitando o percurso, ele deixava rolos de filmes para revelar, na mais popular loja do ramo, o Foto Fon, capitaneado pelo inesquecível Ming Jiaw Fon e sua esposa.

Fico impressionado, hoje, quando os barbeadores são descartáveis e até o mertiolate, outro terror de minha infância, não arde mais, de o Emulsão de Scott, depois de décadas,  apesar de possuir, como novidade, os sabores laranja e morango, continuar com a mesma propaganda e, certamente, o mesmo gosto intragável de quando um dia o degustei.

Interpretando os fatos, entendi, que, à época, engolia aquele tônico, por confiar irrestritamente em minha mãe, quando afirmava ser o mesmo, benéfico. Por outro lado, a exemplo de meu pai, utilizando, diariamente, a lamina gilete, tenho a felicidade de transmitir a Arthur, Leo e Gabriel, meus netos, essas mesmas lembranças, pois, habitualmente, um deles me acompanha em tal atividade, tendo, sempre,  seu rosto e o meu, repletos de espuma.

 

 

Alberto Rostand Lanverly – Presidente da Academia Alagoana de Letras

 

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