DIVAGANDO –
Dizer o que se pensa é sempre um risco. Quando alguém me indaga se sou feliz, uso sempre a mesma máscara. Digo que sim. Afinal, não vem muito a propósito as pessoas se declararem infelizes. Mas sempre se segue aquele impacto, um tanto reflexo. Da falta de hesitação ao me expor tão falsamente assim. Logo vêm aquelas batidas de nós de dedos imaginários na parede do cérebro. Mas , já que foi dito , seguro a barra. Sabe por que? Porque sempre é preciso se estar em guarda e atento. Tentar ao azar a procura do sentido real da felicidade. Ou seja , subtrair menos de prazer do que desgosto. Afinal, junto com eles corre o risco da vida acabar de uma hora pra outra.
Nas situações cotidianas a dois , a gradação do entendimento, muitas vezes, afoga num mar de suposições e dúvidas. Afinal , somos todos receptáculos de surpresas e segredos insondáveis. E é impossível saber com precisão o que vai na cabeça do outro .
A caixinha de Pandora que existe em cada um de nós , se não for bem administrada , se abre às vezes aos borbotões. Feito uma hemorragia . Intermitentes paroxismos de bondade, candura , afeto acontecem. De rancor , maldade , despeito e inveja , também. Surgem ao acaso sem nenhum controle consciente. E desaparecem , da mesma forma. Estão ao sabor dos mediadores químicos que habitam em nós. Eles como que sugerem. Ajuízam (catalisam) o nosso pensamento. Acomodam as diversas modalidades de entendimento. Bem como os vários raciocínios possíveis daquilo que se ouve , vê , ou vivencia.
Eis um exemplo sutil da tal dificuldade. Como foi a tua noite , amiga ? Um desastre. Ele chegou em casa. Jantou ligeirinho. Fizemos sexo uns dois minutos. Logo após, ele roncava. Ah ! a minha foi fantástica ! Ele chegou e me levou pra jantar. Voltamos a pé, de mãozinhas dadas. Em casa , transamos durante bem uma hora e após, conversamos mais ainda.
Como foi o teu dia ontem ,cara ? Perfeito. O jantar já estava na mesa . Dei uma rapidinha e dormi feito pedra. Pois o meu ,irmão, foi uma catástrofe. Cheguei em casa e estava faltando luz. Tive que levá-la pra jantar fora. Alisei. Faltou grana pro táxi de volta. Tivemos que voltar andando. Ela nem sacou o lance. Pelo menos, caminhar facilitou a minha digestão. Quando voltamos a luz ainda não havia voltado. Ela acendeu umas velas . Fiquei tão estressado que levei uma hora pra ficar no ponto de dar uma. E pra chegar nos finalmente, quase uma outra hora a mais, meu caro. Fiquei tão irritado. Tanto é que perdi o sono e tive que aguentar mais uma hora de papo furado dela, até adormecer.
Vejam vocês como é complicado. Apesar de tudo , tenho a impressão que ser feliz é tentar nos contentar com nossas pequenas felicidades. Sempre com a esperança que elas se repitam. Independentemente das disposições em contrário. Elas nunca estarão sob nosso controle. Se falar sobre o assunto é difícil. Imagine, escrevendo.
José Delfino – Médico, poeta e músico
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