DESCUBRA A MINHA IDADE –

Eu sou da época de acordar com as vitórias de Senna, nos domingos. Sou da época de Maurício e Xande, do vôlei. Eu gritei TETRAAA, comemorei o PENTA e me recusei a assistir os últimos gols daqueles 7×1 da Alemanha em pleno Estádio do Maracanã. Mas é verdade que também vi o Brasil ganhar dela nas Olimpíadas seguintes.

No auge da minha disposição e jovialidade, eu até me sentia “novinha demais” …

– Coroa, eu?! Jamais!

Bem, mas se confessar que lembro do choro das minhas professoras na morte de Tancredo Neves, então realmente “hei de admitir o peso da minha idade”. Era abril de 1985, eu tinha 4 anos, e o Brasil perdia o primeiro presidente civil após a ditadura militar, embora eleito indiretamente pelo Congresso Nacional.

Depois veio José Sarney, a inflação e o seu Plano Cruzado.

Em 1989 ocorreram as eleições diretas para presidente de República, as primeiras após 29 anos. Lembro da bandeira com o “L” dobrado nas cores verde e amarela e de encontrá-la sempre aberta na casa do meu avô, militar de guerra, que tanto comemorou a vitória de Fernando Collor de Melo e a democracia que ele “trazia”. Mas, e o Plano Collor? E os jovens com camisetas pretas e “caras pintadas” pedindo nas ruas pelo seu impeachment? E aquelas fotos da morte de Paulo César Farias estampadas nas páginas da Veja? Quem não viu?!

De Itamar Franco, sinceramente, só lembro das charges e das paródias dele no Casseta & Planeta. Eu devia ter próximo dos 10 anos e certamente tinha coisa melhor para assistir na TV.

Chegou o Plano Real. Chegou Fernando Henrique Cardoso e a nossa moeda chegou a valer 1,20 USD. Quantas compras fiz em Orlando na minha viagem de 15 anos para a Disney e meu irmão até hoje agradece isso! Tênis Reebook, moletons com a cara do Mickey, e discplays. Sim! Era a última tecnologia para quem já tinha ouvido muita música em walkman e discos de vinil.

Claro que ele foi reeleito.

Nas eleições seguintes eu já cursava Direito, na universidade particular e, Jornalismo, na pública. Daí vocês já podem adivinhar em quem votei… “Lula la, brilha uma estrela!” E assim, fiz em sua reeleição. Mas já não votei em Dilma Rousseff. Desse arrependimento não sofro.

E antes que esse texto, lamentos da minha idade, assuma qualquer viés político, não vou entrar na discussão de seu impeachment, se foi ou não golpe. Se a prisão de Lula foi ou não “justa”. A verdade é que a Operação Lava Jato relevou a “corrupção sistêmica” e viciou todo mundo na série “O Mecanismo”, da Netflix. Já não sabia se as malas e os apartamentos cheios de milhões de Reais eram novela, programa de humor ou Jornal Nacional. Ahhh! Como era bom quando sentávamos na frente da TV só para assistir Lost com o namorado ou para reunir os amigos para ver repetidamente os episódios de Friends.

Em 2018, esses mesmos amigos se dividiram em 2 grupos extremados: “ele não”; “ele sim”. Ele sofre um atentado e, contrariando todas as pesquisas eleitorais iniciais, Bolsonaro toma posse fazendo o gesto de “armas em punho”. Para aqueles rotulados de comunistas, ele é amoral, irônico, sarcástico e ditador. Para os que acham liberais/capitalistas, é honesto, corajoso, arrojado.

Guardadas as proporções, é claro, lembro agora do Muro de Berlim construído pela Alemanha Oriental (socialista) para separá-la da Berlim Ocidental (capitalista). Eu tinha uns 8 anos de idade quando o muro foi derrubado por populares, pondo fim ao maior símbolo da guerra fria.

Décadas depois a União Europeia tornou-se o maior bloco econômico e cultural do mundo e isso foi pergunta na minha prova de vestibular. Não tinha Enem, graças a Deus. Recentemente os britânicos votaram por sua saída do grupo. Foi o Brexit e os rumores do desfalecimento do bloco europeu, agora ainda mais enfraquecido pelo Covid 19.

Nos meus quase 40 anos, já sofria antecipadamente imaginando como seria minha aposentadoria após a Reforma da Previdência. Me preocupava com a “suposta”, mas eminente guerra nuclear entre a China e os EUA, enquanto a Rússia, de Vladimir Putin, apresentava armas inovadoras. Ficava em choque com os índices de violência no Brasil, especialmente com as histórias de feminicídio. Tantos!

Em nenhuma das minhas angústias, eu (e ninguém) poderia imaginar que, tal como nos filmes de ficção, seria um vírus o responsável por tanta devastação e solidão.

Gente! Eu sou da época da ovelha Dolly, um clone criado em laboratório a partir da célula retirada de um animal adulto. Eu vi Cazuza morrer de AIDS. De transformarem-na de doença mortal a “doença crônica” com o uso dos coquetéis.

Ora, eu já era “grande” quando a farmacologia conseguiu mudar a cor de Michael Jackson para tentar corrigir o vitiligo que lhe acometia.

Oxe!! E cadê nossa medicina high-tech?? Cadê nossa tecnologia? E não era ela que caminhava a passos largos?

A minha geração viveu e curtiu a explosão da internet. Lembro de ensinar ao meu pai que “www” usava para site e “@” para e-mail e isso era uma missão quase diária. Hoje mais da metade da população mundial conta com acesso direto em seus smartphones. Não fosse ela, não teria como minhas filhas verem os avós nesses tempos de pandemia. Na minha adolescência a internet era discada. Pior: na minha infância precisava esperar a “ficha cair” para ligar para meus pais no orelhão da escola. Claro que colecionei os cartões telefônicos em seguida. Você não?

Nossa!!! Me sinto uma “coroa” agora!!! E nem vou dizer que fiz a minha primeira eucaristia quando o PAPA João Paulo II esteve no Brasil. Lamentei sua morte. Entendi o conclave que escolheu o PAPA Bento VXI e também sua renúncia. Nem sabia que isso era possível. Assisti ao vivo a fumaça branca da chaminé da Capela Sistina, com a feliz escolha do PAPA Francisco, apesar de argentino.

Também vi em tempo real todo o ataque terrorista ao Word Trade Center. Quase três mil pessoas foram vítimas. Vi as cenas impactantes do tsunami de 2004, na Indonésia, e aquelas registradas no rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019, maior acidente de trabalho no Brasil e um dos maiores desastres ambientais.

No auge dos meus 39 anos (achou que eu tivesse mais, né?!), Malala, Kofi Annan, Arafat e Mandela receberam o Nobel da Paz. Anitta foi indicada ao Grammy Latino e Chico Buarque ganhou o Prêmio Camões. No meu álbum de família já tem tanta coisa, que me comparo aos meus avós de 80 anos, que sentavam para contar aos netos as suas “exageradas” histórias da Marinha e do Exército.

Mas… nunca pensei que na minha autobiografia fosse escrever que estaria confinada em casa há 1 mês com medo do Covid-19, vendo minha caçula brincar de lavar as mãos das bonecas com álcool em gel, e minha filha mais velha escolhendo a máscara mais bonita para ir visitar a avó, mesmo que esse passeio não passe do hall de entrada do elevador dela.

Nos meus quase 40 anos, depois de tudo que eu nem lembrava ter vivido, quem diria que o tempo – sempre tão rápido e faceiro – iria resolver seguir no modo off e que eu, na correria dos meus anos, esperaria vê-lo passar na janela, aguardando quando serão definidas as Olimpíadas do Japão…

 

Tatiana Benévolo, no feriado de 21/04/2020. Quase 30 dias de confinamento.

 

Tatiana Benévolo – advogada, [email protected]

 

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